BRINCAR AOS COMBOIOS

Há mais de 10 anos viajei pela primeira vez no TGV, o comboio de alta velocidade, entre Paris e Valence, na linha entre a capital francesa e Montpellier. A distância indicava perto de 650 quilómetros e o tempo de viagem era 2 horas e 10 minutos. Uma parte considerável desse percurso era feito ao lado de uma autoestrada com a curiosidade de se verem os automóveis a ficarem para trás, como se estivessem parados à passagem do comboio.

Desde a partida de Paris, a primeira paragem era precisamente Valence. O comboio saiu à hora marcada e chegou à hora certa. Alguns dias depois fiz a viagem de regresso e o dito comboio, vindo de Montpellier, entrou na gare de Valence no preciso minuto previsto e saiu tal como estava anunciado. Este meio de transporte não falha 1 segundo, é cómodo, rápido e transporta-nos até às gares que ficam, geralmente, nos centros das cidades, ao contrário dos aeroportos, que se tornam inconvenientes por se localizarem a léguas de distância dos pontos de interesse.

Este meio de transporte entrou na Península Ibérica. A Espanha desenvolveu o projeto e quando nada previa crer, Portugal também ambicionou ter um comboio de alta velocidade. De início parecia um sonho e os primeiros estudos apontavam para ligações de Vigo ao Porto; de Lisboa ao Porto e à fronteira de Espanha; e finalmente ligação Algarve até Lisboa, com possível extensão desde Sevilha. Enquanto em França cada ligação tinha mais de 600 quilómetros, sem paragens, em Portugal sonhava-se ter o TGV a parar quase à porta de cada um. Claro que um projeto desses nunca seria viável.

Mas mesmo assim, os estudos e os projetos, as ambições e os desejos continuaram até que chegou a hora de parar com tudo isso por ser inviável, ineficaz e acima de tudo por não haver dinheiro para pagar tanta megalomania. A coisa parou mas o sonho custou 153 milhões de euros, sem que o lápis se levantasse do papel. O último Governo de José Sócrates ainda tentou iniciar a construção de um troço, entre Poceirão e Caia, depois de já ter inviabilizado todos os outros inicialmente previstos. E apesar de se demonstrar que não fazia sentido essa ligação a partir do Poceirão, e não desde Lisboa, até Espanha, o governo socialista insistia na obra e assinou mesmo o contrato de execução de obra com um consórcio de empresas. Agora chegou a hora dos tribunais decidirem indeminizações.

Este sonho caro, animou todas as hostes políticas, da esquerda à direita, porque inicialmente quem criticasse parecia que não estava alinhado com o desenvolvimento e poderia merecer o castigo do povo. Felizmente que a corrupção que tem marcado a agenda política já ensinou muita coisa a muita gente e hoje as pessoas já pensam duas vezes antes de se porem a fazer ou de apoiarem o que os outros propõem. Neste caso bem português, o Tribunal de Contas acabou por dar a machadada final no projeto TGV, ao considerar nula a eficácia e a rentabilidade da alta velocidade. Só é pena é que tenha custado tanto dinheiro e servido para nada.

A Direção