A PANDEMIA DO ÓDIO

Correio da Manhã Canadá

Quando achávamos que as práticas do apartheid sul-africano ou dos tempos da segregação racial dos Estados Unidos da América (EUA) eram “coisa do passado”, deparamo-nos com a morte de George Floyd. Quando pensávamos que não havia espaço para outros assuntos na atualidade sem ser a pandemia, lembramo-nos que os problemas estruturais podem estar temporariamente abafados, mas continuam lá.

É irónico que os EUA segurem simultaneamente as bandeiras da reconciliação racial e do racismo violento. Como é que uma nação presidida por um negro no passado e que exalta o orgulho afro-americano com Óscares e Emmys pode ser também palco de uma morte selvagem como a de George Floyd? Não é de fácil compreender. A única certeza é que os EUA, como muitos outros países, está longe de ser homogéneo e que essa divisão tem sido tristemente evidente.

No último fim de semana de maio, foi em frente à Casa Branca que as tensões raciais nos EUA mais se evidenciaram. A seis meses de uma eleição que pode aprofundar ainda mais este conflito, mais de mil pessoas gritaram, em Washington D.C., “não consigo respirar”, numa alusão à última frase de Floyd antes de morrer sufocado debaixo do joelho do agente Derek Chauvin, na segunda-feira, dia 25 de maio.

A violência desta imagem – e o simbolismo de supremacia branca que encerra – está a comover o mundo e a aprofundar as críticas ao racismo e à impunidade das forças policiais. O já controverso Donald Trump tem sido acusado de não condenar a conduta do polícia com o mesmo vigor com que está a repreender os protestos anti-racistas e enquanto o país mergulha numa onda de violência sem previsão para terminar, o presidente inflama os ódios nas redes sociais – Trump disse que os manifestantes podiam ser perseguidos por “cães agressivos”, um dos métodos usados pela polícia nos tempos da luta pelos direitos cívicos nos EUA –, aglutinado a raiva e afastando o consenso.

É com um sentimento de triste impotência que vemos discursos e gestos de ódio. Em Montreal, um protesto pacífico para pedir justiça por George Floyd no domingo, dia 30 de maio, acabou descredibilizado por um embate violento entre um pequeno grupo de pessoas e a polícia, minando assim os esforços de quem saiu às ruas com razões legítimas para isso.

Sabemos que a pandemia da covid-19 vai eventualmente terminar, mas seria bom se conseguíssemos combater a pandemia do racismo, da violência e do ódio com a mesma vontade.