QUANDO AS MARMOTAS DITAM O PRÓPRIO TEMPO

Correio da Manhã Canadá

As tradições importam. Esta é uma ideia frequentemente citada neste jornal, nas inúmeras notícias sobre a comunidade portuguesa no Canadá. A preservação da cultura passa pela manutenção das tradições e esse é um aspeto promovido por muitos luso-canadianos, que assim procuram manter a identidade e mitigar as saudades.

A manutenção das tradições não significa o isolamento. A diversidade cultural é, aliás, uma das bandeiras do Canadá e a inclusão pauta regularmente o discurso político. Ser português no Canadá é preservar as tradições, claro, mas também manter a abertura para valorizar – ou pelo menos, respeitar – outros costumes. Esta premissa de inclusão serve para enquadrar uma tradição canadiana curiosa, à qual assistimos no arranque de fevereiro: o Groundhog Day ou, em português, o Dia da Marmota. Um luso-canadiano com anos de experiência no país poderá encarar este costume com naturalidade, mas um português acabado de chegar irá, certamente, estranhar a tradição, sobretudo se nunca viu o filme inspirado na efeméride.

A tradição consiste em observar o comportamento de marmotas, acordadas propositadamente antes do fim do período de hibernação, e fazer previsões do tempo: se, ao ver a própria sombra, a marmota regressar à toca, significa que as próximas seis semanas serão de inverno; se, por outro lado, a marmota não procurar abrigo, antevê-se uma primavera antecipada. À primeira vista inusitado, este costume está mais próximo de Portugal do que se imagina. Além de remeter, originalmente, para uma festividade católica, começou por ser celebrado na Europa, mais especificamente, na Alemanha, onde, em vez de uma marmota, um texugo fazia previsões.

Este ano, a “observação da marmota” fez-se um pouco por todo o Canadá, mas os resultados não foram unânimes. Em Nova Scotia, por exemplo, a marmota Shubenacadie Sam regressou à toca, ao contrário da Wiarton Willie, de Ontário, que não encontrou a própria sombra, prognosticando dias mais solarengos. Esta incongruência reforça os resultados de vários estudos, que argumentam que o comportamento do animal não tem uma ligação direta com a mudança de estação, sugerindo, por outro lado, que o propósito da efeméride é mais lúdico do que científico.

No final de contas, ao avaliarmos tradições que não são nossas, é possível encontrarmos mais semelhanças do que diferenças. Marmotas à parte, o Groundhog Day acaba por ser mais um pretexto de convívio, de aproximação e de festa. Como pode um português, um russo ou um chinês não se identificar com isso? Somos todos da mesma carne. E não há tradição mais universal do que essa.