Secretário-geral da ONU apela ao fim da “escalada militar” no Sudão

Nova Iorque, 30 out 2025 (Lusa) — O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou hoje ao fim da “escalada militar” no Sudão, depois do massacre de mais de 460 pessoas numa maternidade em El-Facher, cidade-chave tomada por forças paramilitares.

As informações sobre violações em massa multiplicam-se desde que as Forças de Apoio Rápido (RSF, paramilitares, na sigla em inglês) tomaram no domingo, depois de 18 meses de cerco, a última grande cidade que escapava ao seu controlo na vasta região de Darfur, onde “os massacres continuam”, de acordo com imagens de satélite analisadas pelo Laboratório de Investigação Humanitária da Universidade de Yale.

O chefe dos paramilitares sudaneses, Mohamed Daglo, reconheceu na quarta-feira à noite a ocorrência de uma catástrofe na cidade, justificando: “A guerra foi-nos imposta”.

António Guterres afirmou estar “gravemente preocupado com a recente escalada militar” em El-Facher, apelando ao “fim imediato do cerco e das hostilidades”.

A Organização Mundial da Saúde manifestou-se “consternada com as notícias do trágico assassinato de mais de 460 pacientes e acompanhantes na maternidade saudita de El-Facher”.

Segundo a instituição, a maternidade era o único hospital ainda parcialmente operacional na cidade.

Após a tomada de El-Facher às forças armadas sudanesas (SAF, na sigla em inglês), lideradas pelo general Abdel Fattah al-Burhan, as RSF controlam agora toda a região de Darfur, uma vasta região no oeste do Sudão, que cobre um terço do país.

As comunicações por satélite continuam interrompidas — exceto para as RSF, que controlam a rede Starlink — e o acesso a El-Facher permanece bloqueado, apesar dos apelos para a abertura de corredores humanitários.

“Mais de dois mil civis foram mortos durante a invasão da milícia em El-Facher, que teve como alvo mesquitas e voluntários da Cruz Vermelha”, afirmou Mona Nour Al-Daem, responsável pela ajuda humanitária do governo pró-SAF.

Em El-Facher, o comité de resistência local, que documenta as violações desde o início do conflito, relatou na quarta-feira à noite ter ouvido tiros na zona oeste da cidade, “onde alguns soldados remanescentes lutam com (…) tenacidade”.

Desde domingo, mais de 36 mil pessoas fugiram da violência, principalmente para a periferia de El-Facher e para Tawila, cidade localizada 70 quilómetros mais a oeste e que já era a maior zona de acolhimento de refugiados do Sudão, segundo a ONU, com mais de 650 mil deslocados.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos alertou para o “risco crescente de atrocidades motivadas por considerações étnicas”, recordando o passado de Darfur, palco de vastos massacres e violações cometidos pelas milícias árabes Janjawid, das quais provêm as RSF, contra as tribos locais Massalit, Four ou Zaghawa, no início dos anos 2000.

As RSF e grupos armados aliados, que instalaram em Darfur uma administração paralela, controlam agora o oeste do Sudão e certas partes do sul.

As SAF controlam o norte, o leste e o centro do terceiro maior país de África, devastado por mais de dois anos de guerra civil.

Os especialistas temem uma nova divisão do Sudão, após a independência do Sudão do Sul em 2011, ainda que o líder das RSF tenha afirmado que a tomada completa de Darfur pelas suas forças promoverá a “unidade” do país.

“A libertação de El-Facher é uma oportunidade para a unidade do Sudão e nós dizemos: a unidade do Sudão pela paz ou pela guerra”, declarou Daglo na quarta-feira.

As negociações conduzidas há vários meses pelo grupo conhecido como ‘Quad’, que reúne os Estados Unidos, o Egito, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, encontram-se num impasse, de acordo com um responsável próximo das negociações, não identificado pela AFP.

As propostas de trégua esbarram, segundo a mesma fonte, “na obstrução contínua” do líder das SAF, Abdel Fattah al-Burhan, que recusou em setembro uma proposta que previa tanto o seu afastamento como o das RSF da transição política pós-conflito.

 

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