SAIR ÀS RUAS EM PLENA PANDEMIA

Correio da Manhã Canadá

A onda de protestos anti-racismo em plena pandemia já conquistou um lugar na história. A morte do afro-americano George Floyd numa intervenção policial foi o rastilho de manifestações – pacíficas e não só – nos Estados Unidos da América (EUA) e em todo o mundo.

O Canadá foi dos primeiros a tomar as dores do país vizinho. O tema substitui-se à pandemia nas manchetes dos jornais, com os 21 segundos de silêncio de Trudeau, seguidos do mediático ajoelhar do primeiro-ministro. Portugal tardou, mas também se juntou ao movimento “Black Lives Matter”, com milhares a sair às ruas no último fim de semana. Enquanto isso, a Austrália e muitos outros países europeus foram palco de manifestações. A já histórica adesão a este movimento levanta perguntas: será que as pessoas se manifestam apenas contra o racismo e a violência policial? Será que o stress da pandemia agrava os ânimos e desencadeia mais protestos? Será que, pelo contrário, a questão do racismo e da violência policial é autónoma e tão grave que é capaz de deixar a covid-19 para segundo plano? Será que no Canadá e em Portugal se protesta pelas mesmas razões do que nos EUA?

A quantidade de questões reflete a complexidade do fenómeno, mas é mais ou menos consensual que os protestos anti-racismo deram espaço a outras reivindicações. Nos EUA, Floyd é a ponta do iceberg de um descontentamento alargado, que serve também de símbolo da insurreição contra o Estado federal. No Canadá, causas indígenas associaram-se às manifestações pelo afro-americano e, em Portugal, algumas palavras de ordem aludiram este fim de semana à precariedade laboral. Perante isto, percebemos que há outras questões em cima da mesa e que a morte de Floyd também serve de pretexto para outras lutas.

É bom que tenhamos consciência desta heterogeneidade, ao avaliarmos o que está a acontecer. É perigoso medir o pulso de uma causa a partir dos milhares que saem às ruas ou do escalar de tensões – basta pensarmos que há quem se junte às multidões para pilhar lojas e não pela causa em si. Não devemos – nunca! – desvalorizar a necessidade de se combater cancros como o racismo ou a violência policial. Mas também não podemos tomar a parte como um todo, caindo na tentação de não saber distinguir e de não entender (de forma a resolver) exatamente o que despoleta manifestações sociais desta dimensão.

É neste contexto que se assinala este ano uma das mais importantes datas da comunidade portuguesa: o Dia de Portugal. Se por um lado há quem desafie o isolamento para se juntar aos protestos, por outro, há quem siga os conselhos das autoridades de Saúde e fique em casa. Com efeito, o tradicional desfile na Dundas St. W., foi este ano cancelado, entre outras iniciativas luso-canadianas. Um lembrete de que o coronavírus continua por aí e de que todo o cuidado ao sair às ruas é pouco.