QUANDO O INIMAGINÁVEL ACONTECE

Correio da Manhã Canadá

Lembra-se onde estava há uma semana? O que estava a fazer? Ocorreu-lhe que, apenas um dia depois, iria assistir a uma tragédia com as dimensões e contornos do acidente de avião no Irão? É muito provável que não. E na história há momentos assim, em que o impensável, o inimaginável acontece. Em que nos debatemos, sem grande sucesso, para perceber como é possível algo semelhante acontecer.

É sob esta clima de estupefação que os dias têm passado, destacando-se, dos últimos acontecimentos, a admissão de culpa do governo iraniano, que reconheceu ter abatido o Boeing 737-800 da Ukraine International Airlines por engano. De acordo com um comunicado oficial, os militares estavam no “mais alto nível de prontidão”, devido à escalada de tensões com os Estados Unidos da América, sendo que foi “neste contexto, por causa de falha humana e sem intenção, que o avião foi atingido”. O anúncio da responsabilidade das forças armadas iranianas provocou uma onda de indignação no Irão, com gritos de “morte aos mentirosos” e embates violentos entre os manifestantes e as autoridades.

Em Portugal, como no resto do mundo, o assunto tem sido amplamente acompanhado, mas no Canadá, trata-se de uma questão pessoal, especialmente para a diáspora. A “tragédia que chocou o mundo”, como descreveu Justin Trudeau, matou 57 canadianos – a previsão inicial de 63 vítimas mortais canadianas foi, entretanto, corrigida – de um total de 176 passageiros, numa lista de vítimas que reflete a diversidade religiosa, cultural e profissional que caracterizam o Canadá.

Apesar dos protagonistas do conflito serem os Estados Unidos da América e o Irão, há quem aponte para a ausência de relações diplomáticas entre o Canadá e o país do Médio Oriente como um fator que agrava o cenário de incompreensão e impotência face à tragédia. Em 2012, o governo conservador de Stephen Harper fechou a embaixada canadiana no Teerão e expulsou oficiais iranianos do Canadá, fragilizando os contactos institucionais com o país, bem como a compreensão da política e sociedade iraniana, indispensável nos dias que correm.

O Canadá terá, forçosamente, de assumir um papel no desenrolar dos acontecimentos. Mais do que nunca, precisa de uma presença forte para lidar sozinho com as consequências desta tragédia, focando a questão nos interesses dos canadianos. Do clima de enorme incerteza em relação ao futuro do conflito no Médio Oriente, resta esperar que o inimaginável não volte a acontecer.