
Bruxelas, 17 set 2020 (Lusa) — O Parlamento Europeu exortou hoje a União Europeia (UE) e a comunidade internacional a elaborarem um “plano de ação eficaz” para dar resposta à crise humanitária no norte de Moçambique, que “tem vindo a deteriorar-se a um ritmo alarmante”.
Numa resolução hoje aprovada em Bruxelas, com 616 votos a favor, 13 contra e 57 abstenções, o Parlamento Europeu (PE) manifesta a sua profunda preocupação com a situação de emergência humanitária em Moçambique e lamenta que, “apesar da brutalidade e da perda terrível de vidas”, a situação em Cabo Delgado não tenha atraído “a atenção internacional, o que significa que se perdeu tempo precioso para resolver o problema mais cedo”.
Os eurodeputados apelam por isso a um esforço regional e internacional mais coordenado para dar resposta à crise humanitária e de segurança em Cabo Delgado, exortando a UE e os Estados-membros a trabalharem em estreita colaboração com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para resolver o agravamento da crise humanitária na região e elaborarem um “plano de ação eficaz”.
“A UE está pronta para encetar o diálogo com Moçambique para encontrar opções eficazes para a implementação da assistência da UE, tendo em conta o caráter complexo e regional da situação”, afirma a assembleia, solicitando ao Governo moçambicano que seja “mais recetivo” a este diálogo e a esta cooperação com a UE e com a SADC.
O PE defende que devem ser tomadas “novas iniciativas diplomáticas, em particular dos Estados-membros que partilham relações históricas e de amizade com o país”, a fim de sublinhar a necessidade de uma ação urgente relativamente a esta questão e de chamar a atenção do governo para as consequências geopolíticas que resultarão da falta de resposta coordenada a nível regional e internacional.
A assembleia adverte que é igualmente necessário tomar medidas em prol da eliminação de algumas das causas que estão na base do terrorismo, como a insegurança, a pobreza, as violações dos direitos humanos, a desigualdade, a exclusão, o desemprego, a degradação ambiental, a corrupção, a utilização indevida de fundos públicos e a impunidade.
Por outro lado, o PE ‘recorda’ ao Governo moçambicano a sua responsabilidade de apresentar perante a justiça, em julgamentos justos, todos os suspeitos de atividades terroristas, e nesse contexto pede-lhe também que lance “uma investigação independente e imparcial” sobre os atos de tortura e outras violações graves alegadamente cometidas pelas suas forças de segurança em Cabo Delgado e que permita a entrada de observadores dos direitos humanos no país.
“As ações bárbaras atribuídas ao Al-Shabab não devem ser enfrentadas com novas violações dos direitos humanos pelas forças de segurança de Moçambique”, sublinha a resolução.
O PE manifesta a sua preocupação pelo facto de a insurreição estar a ganhar apoio entre as organizações terroristas regionais e internacionais, assinalando, neste contexto, “as infelizes semelhanças com outras regiões”, como o Sahel e o Corno de África.
“Se não for travada, a insurreição poderá vir a crescer e espalhar-se pelos países vizinhos, ameaçando a estabilidade regional”, diz a resolução, adotada pela assembleia depois de um debate hoje realizado no hemiciclo.
No debate, vários eurodeputados portugueses exortaram a UE a não ignorar a situação que se vive em Cabo Delgado.
“É grave, muito grave, o esquecimento a que a comunidade internacional e a União Europeia em particular votou a situação de Moçambique. A pandemia não desculpa tudo, não pode ser o véu que tapa aquilo que se está a passar no norte de Moçambique”, declarou o líder da delegação do PSD, Paulo Rangel.
No mesmo sentido, Carlos Zorrinho (PS), dirigindo-se à comissária responsável pelas Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen, que representou o executivo comunitário no debate, defendeu igualmente que a UE não pode “refugiar-se na desculpa da complexidade [da situação] nem da pandemia para abandonar o povo de Cabo Delgado”.
Também Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, disse ser necessário “denunciar o que se está a passar e acabar com o silêncio”, sustentando que “condenar os atentados terroristas e o ‘jihadismo’ é fundamental, mas não chega”, pois também “é preciso denunciar e parar a exploração dos recursos naturais”, que tem levado multinacionais “a competir como abutres para ter acesso à região”, “como se nada estivesse a acontecer” no norte de Moçambique.
Por seu lado, ao mesmo tempo que reiterou a sua solidariedade para com as autoridades e o povo moçambicano, a Comissão Europeia considerou hoje “extremamente chocante” o recente relatório da Amnistia Internacional sobre violações de direitos humanos no norte de Moçambique, e reclamou uma investigação “transparente e efetiva”, incluindo às alegações envolvendo membros das forças de segurança moçambicanas.
A província de Cabo Delgado é há três anos alvo de ataques por grupos armados, alguns reivindicados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, mas cuja origem permanece em debate, provocando uma crise humana com mais de mil mortes e 250.000 deslocados internos.
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