ONG QUER INVESTIGAÇÃO A TRÁFICO DE DROGA NA GUINÉ-BISSAU A COBERTO DE ESTADO DE EMERGÊNCIA

Genebra, 15 mai 2020 (Lusa) – A Iniciativa Global contra a Criminalidade Transnacional Organizada defende uma “investigação urgente” à possibilidade de o estado de emergência na Guiné-Bissau, motivado pela covid-19, estar a ser usado para dar cobertura ao tráfico de droga no país.

“A possibilidade de o estado de emergência estar a ser utilizado como cobertura para o tráfico de droga deve ser investigada com urgência”, defende a Iniciativa Global contra a Criminalidade Transnacional Organizada (GI-TOC, na sigla em inglês), na sua mais recente análise sobre a Guiné-Bissau, datada de 11 de maio, e a que a agência Lusa teve acesso.

“O confinamento do país por causa da covid-19 está muito provavelmente a proporcionar agora uma cobertura conveniente para o tráfico de droga. Embora a economia da cocaína seja apenas um dos fatores que contribuem para a instabilidade que assola a Guiné-Bissau ao longo de décadas, é um fator importante e que precisa de ser abordado de novo”, acrescenta o GI-TOC.

O chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, prolongou na segunda-feira, pela terceira vez, o estado de emergência no país até 26 de maio, tendo, na sequência disso sido decretado o recolher obrigatório entre as 20:00 e as 06:00.

Neste período só podem circular elementos das forças de defesa e segurança, funcionários dos serviços de saúde e agentes humanitários.

A circulação de pessoas está limitada ao período entre as 07:00 e as 14:00.

A GI-TOC, que reúne uma rede de mais 500 especialistas e observadores locais, reconhece a legitimidade de uma “resposta firme” das autoridades à ameaça do novo coronavírus, num país “com fracas a inexistentes infraestruturas de saúde”, mas manifesta preocupação com os abusos da polícia e com movimentações suspeitas a coberto desse mesmo estado de emergência.

Apesar da limitação de movimentos, são citados relatos que dão conta da circulação suspeita de carros de alta gama durante a noite em Bissau, com entrada e saída frequentes do porto e aeroporto, que está fechado para voos comerciais.

Por outro lado, a análise identifica a dificuldade crescente dos jornalistas locais divulgarem os acontecimentos relacionados com o tráfico de droga, sublinhando as pressões sofridas por jornalistas e bloggers, bem como o exercício constante de autocensura motivado por receios de segurança.

“Alguns políticos que se opuseram ao tráfico de droga foram também visados”, aponta o documento, dando como exemplo o caso da antiga ministra da Justiça Ruth Monteiro, que contestou a nomeação de procuradores públicos alegadamente associados ao tráfico de droga.

“Foi impedida de sair do país durante algum tempo e manifestou temer pela sua vida. Os que se opõem à ligação entre o Estado e o tráfico de droga sentem-se muito pouco protegidos”, acrescenta-se no texto.

Recordando as duas grandes apreensões de cocaína registadas no país, em 2019, a GI-TOC adianta, por outro lado, que os elementos da Polícia Judiciária se sentem cada vez mais ameaçados e intimidados, havendo registos de vários terem deixado o país ou mandado as famílias para o estrangeiro como medida de segurança.

Os investigadores relatam que o ambiente atual é semelhante ao vivido a seguir ao “golpe da cocaína” em 2012, em que a Polícia Judiciária teve de limitar as suas operações por medo de represálias por parte dos militares.

“Os polícias limitaram os seus movimentos e deixaram de fazer investigações aprofundadas”, refere a GI-TOC.

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