O guardião que sonha nova vida para histórico quartel de Guiledge na Guiné-Bissau

 Bissau, 05 mai 2024 (Lusa) — Cinquenta anos depois do fim da guerra colonial, há uma batalha que se trava no sul da Guiné-Bissau pela revitalização do histórico quartel de Guiledje para espaço de memória da luta de libertação para a independência.

Cassima Mara tornou-se num guardião do que foi o mais fortificado quartel português nas ex-colónias e que se encontra “desprezado”, com pouco mais que os escombros das batalhas que se travaram no sul da Guiné-Bissau.

Este guineense esteve na luta ao lado dos portugueses e agora está empenhado em fazer cumprir o propósito daquele a quem chamavam “o fazedor de sonhos”, conhecido por “Pepito”, e que sonhou para Guiledje o único espaço museológico na Guiné-Bissau sobre a luta de libertação nacional para a independência.

O projeto parou com a morte do mentor, em 2014, e ficaram apenas dois pavilhões com algum espólio entre escombros de antigos edifícios, carcaças de viaturas de guerra, munições e monumentos do antigo quartel junto à fronteira com a Guiné-Conacri.

Cassima Mara sente-se “feliz” por guiar a Lusa numa visita ao local e por ser um dos personagens da história deste espaço, onde se juntou aos portugueses, quando tinha entre “15 e 16 anos”.

Nasceu na tabanca (aldeia) junto ao quartel e ali continua a viver, convicto de que “é importante manter este lugar porque é histórico”.

“É histórico”, repete várias vezes, insistindo que “a história não se perde, a história valoriza um local”.

Sente orgulho quando fala de Guiledje, “do vasto quartel” que “tinha muito armamento para os portugueses”, que não tinham um quartel tão segurado como este.

“Aqui era o grande amparo dos portugueses, havia todo o tipo de materiais aqui, inclusive abrigos blindados. Só os militares portugueses eram um batalhão, também havia aqui milícias recrutadas, militares locais muito valentes para os portugueses”, contou.

Cassima “fazia alguns serviços para os portugueses, lavava pratos, trazia a comida, levava as roupas para a lavadeira e trazia água para os militares”.

Também fazia carregamento de munições de armas pesadas quando havia um ataque ao quartel.

“Eu não ia para o mato fazer a guerra, mas se houvesse guerra aqui no quartel eu era uma das pessoas que ajudava os portugueses a carregar as munições das armas”, especificou.

Diz que “para conquistar a independência” da Guiné-Bissau de Portugal, o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) “tinha que derrubar Guiledje”. E derrubou.

Em 22 de maio de 1973, os portugueses abandonaram o quartel, levando consigo os guineenses que os acompanhavam.

Cassima recorda esse dia, em que fugiram juntos e o destino foi Bolama, depois de uma longa caminhada de militares, mulheres e crianças.

Este guineense e outros conterrâneos decidiram voltar para a tabanca depois da independência, quase um ano passado e com o quartel já na posse do PAIGC e do novo Estado guineense.

Mais tarde, Guiledje entrou nos projetos do agrónomo guineense Carlos da Silva, conhecido por “Pepito” e pela diversidade de ações, abarcadas na organização não-governamental AD (Ação para o Desenvolvimento).

“Pepito” planeou para o antigo quartel militar português o Museu Memória de Guiledge, que Cassima ajudou a construir com financiamento estrangeiro.

“No início da construção do museu, tivemos que desmatar o local, porque havia perigo para andar, tinha minas, tinha cobras, fui eu que fiz o caminho e contratei pessoas”, afirmou.

O que foi feito agora “está desprezado”, observou o homem que acompanha as visitas ao local. No tempo seco há algumas.

Foi ele, também, o indicado por “Pepito” “para gerir o museu, mas com o tempo a comunidade local e a comunidade governamental não respeitou isso”, o que o entristece.

Tem outros recursos para viver, mas continua a ir ao quartel “só para cumprir o propósito de Pepito”.

Gostava que esta ideia, que sonharam juntos, se concretizasse e que a memória não se apague.

Nas memórias guarda o dia da abertura do quartel de Guiledge, em que “veio um batalhão de artilharia”.

A este quartel iam também “muitos chefes militares”. O próprio António Spínola ia a Guiladge “fazer formatura e dar ordens militares”.

“Pepito”, como recordou, “fez um grande esforço” para revitalizar este espaço, “mas a canoa ficou pelo caminho” porque “sem sucessor o trabalho não vai”.

Continua a acreditar que “possa haver alguém que faça” tanto ou mais do que ele fez.

 

*** Helena Fidalgo (texto) e Júlio de Oliveira (vídeo), da agência Lusa ***

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