MOÇAMBIQUE/ATAQUES: IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA ATIÇA DISPONIBILIDADE DE APOIO DOS EUA – ANALISTAS

Maputo, 08 dez 2020 (Lusa) – Analistas disseram hoje à Lusa que a manifestação de interesse do Governo norte-americano de apoiar Moçambique no combate à insurgência armada na província de Cabo Delgado, norte do país, traduz a importância geoestratégica do país africano para Washington.

Na quinta-feira, o coordenador para o contraterrorismo dos EUA, Nathan Sales, disse em Maputo que o seu Governo está “seriamente interessado” numa parceria com Moçambique para travar os grupos armados na província de Cabo Delgado.

“Os Estados Unidos estão seriamente interessados numa parceria com Moçambique, estreitando a nossa amizade enquanto juntos enfrentamos o desafio do terrorismo”, disse Nathan Sales, citado num comunicado da embaixada norte-americana em Maputo.

Em declarações à Lusa, Calton Cadeado, docente na Universidade Joaquim Chissano, em Maputo, especialista em paz, conflito, defesa e segurança, considerou a disponibilidade manifestada por Washington como um sinal.

“Os Estados Unidos nunca esconderam o interesse geoestratégico e geopolítico que Moçambique sempre assumiu pela sua posição no oceano Índico”, afirmou, recordando um suposto interesse manifestado há anos em instalar uma base militar em Nacala, província de Nampula, norte do país.

Por outro lado, notou Calton Cadeado, a presença da gigante petrolífera norte-americana Exxon Mobil nos projetos de gás natural em Cabo Delgado (norte) e o risco de o caos provocado pela insurgência na província favorecer a intensificação de vários tipos de tráfico, incluindo drogas, também estarão no centro das preocupações de Washington.

“Os EUA são um dos maiores países doadores de Moçambique e isso não é apenas por altruísmo, interessa àquele país a estabilidade” do país lusófono, frisou.

Adriano Nuvunga, docente de Ciência Política e diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização da sociedade civil, considerou que o interesse manifestado pelos EUA enquadra-se no que Washington vê como guerra global contra o terrorismo.

“Na ótica dos EUA, o que está a acontecer em Cabo Delgado é terrorismo e merece o mesmo combate vigoroso como a guerra contra o Estado Islâmico e a Al Qaeda”, assinalou.

As autoridades norte-americanas acompanharam sempre de perto a realidade moçambicana, tanto antes como depois da independência, o que ficou mais visível com uma certa hostilidade de Washington com o alinhamento da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, com o ex-bloco comunista liderado pela antiga União Soviética, frisou Nuvunga.

A importância económica de Moçambique, principalmente após a descoberta de gás natural na bacia do Rovuma, também justifica a preocupação dos EUA e igualmente da União Europeia (UE) pela situação em Cabo Delgado.

Adriano Nuvunga observou, contudo, que a eficácia dos esforços internacionais no apoio a Moçambique vai depender da seriedade de Maputo na gestão dessa solidariedade.

“Será interessante ver até que ponto o Governo [moçambicano] vai colaborar com a comunidade internacional no combate à insurgência em Cabo Delgado, porque pode ser que tenha receio de que se desvendem as dimensões internas do conflito, que são culpa do próprio Governo da Frelimo”, frisou Nuvunga.

Fernando Lima, comentador político e presidente da Mediacoop, uma sociedade de media privada, também defendeu “uma postura sem ambiguidades” por parte do Governo para que a solidariedade internacional na questão de Cabo Delgado seja devidamente capitalizada.

“O Governo não deve emitir posicionamentos contraditórios, se quiser contar com os apoios como o manifestado pelos EUA e pela União Europeia no combate à violência em Cabo Delgado”, afirmou Lima.

A vontade manifestada por Washington, prosseguiu, marca uma viragem significativa na atenção internacional sobre o problema de Cabo Delgado.

“O peso político, militar e económico dos EUA faz com que a questão de Cabo Delgado ganhe uma maior visibilidade no panorama internacional, mas é necessário que essa manifestação de interesse tenha um efeito prático”, frisou.

Fernando Lima disse que, no imediato, a cooperação entre Moçambique e EUA poderá ser ao nível de troca de informação, dada a experiência norte-americana na monitoria das movimentações de grupos associados ao “jihadismo”.

“Não vejo, de momento, tropas norte-americanas em solo moçambicano, mas é mais crível uma cooperação ao nível de troca de informação”, destacou.

A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2.000 mortes e cerca de 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos e concentrando-se sobretudo na área da capital provincial, Pemba.

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