Fundadora da Diaspora Dialogues fala ao CMC sobre diversidade, mentoria literária e 20 anos de apoio a escritores emergentes

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Fundadora da Diaspora Dialogues, a escritora canadiana Helen Walsh tem-se dedicado, ao longo das últimas duas décadas, a apoiar escritores emergentes de diversas origens culturais. Em entrevista ao Correio da Manhã Canadá (CMC), a autora fala sobre o impacto do projeto, os desafios da diversidade no meio literário e a gala comemorativa dos 20 anos da iniciativa, marcada para 29 de maio, às 6:30 pm, no Design Exchange, em Toronto.

 

Correio da Manhã Canadá: O que é, exatamente, a Diaspora Dialogues?

Helen Walsh: A Diaspora Dialogues é uma organização artística. É uma organização de mentoria literária que apoia escritores emergentes a transformar a sua prática numa carreira, através de programas de mentoria – tanto de curta como de longa duração – oportunidades de desenvolvimento profissional e, depois, oportunidades para publicar e apresentar o seu trabalho junto do público.

 

CMC: Houve algum momento marcante ou necessidade concreta que a levou a criar o projeto?

HW: Trabalhei nos Estados Unidos da América (EUA) como produtora de cinema e regressei ao Canadá no final de 2004. Queria voltar ao mundo literário e perceber onde poderia ter impacto. Passei seis meses a almoçar e a tomar café com pessoas da comunidade, principalmente do setor editorial, mas também de organizações de mentoria literária, para perceber o que era necessário. E era claro que não havia igualdade de oportunidades para escritores racializados, indígenas, LGBTQ. Isso coincidiu com a altura em que as editoras estavam a cortar os seus próprios programas de desenvolvimento. Foi uma ‘tempestade perfeita’ que limitava as oportunidades para escritores emergentes no Canadá.

 

CMC: Porque é que é importante promover o diálogo entre diferentes culturas? O que é que escritores e leitores ganham com esse intercâmbio?

HW: Todos vemos os resultados da retórica divisionista presente no mundo neste momento. Temos grandes problemas em todas as sociedades e sempre acreditei fortemente que é mais difícil odiar alguém que conhecemos do que um desconhecido, em relação a quem estamos dispostos a projetar alguma coisa. A melhor forma de aprendermos sobre os outros é através da história. Isso cria empatia, que gera bem-estar.

 

CMC: Tendo em conta essa retórica divisionista de que fala, diria que este tipo de iniciativas é agora mais importante do que nunca?

HW: Sim. Sou filha de dois imigrantes no Canadá. Nenhuma das minhas irmãs nasceu no Canadá. O Canadá é uma nação de imigrantes. Temos sempre de ter muito cuidado com a retórica que culpa os imigrantes de tudo. Claro que há situações problemáticas, e temos um sistema de justiça criminal para lidar com elas, mas temos de evitar criar uma retórica que culpabiliza injustamente a imigração. Isso só semeia divisão.

 

CMC: Pode falar-nos um pouco mais sobre a gala de 29 de maio? O que é que os convidados podem esperar da noite? E como podem participar?

HW: Vai ser uma noite divertida e repleta de eventos artísticos – leituras, atuações de atores, artistas de teatro e escritores. Claro que vai haver boa comida e bar aberto. Vai ser uma experiência imersiva completa. Vão estar presentes figuras literárias, convidados políticos, pessoas da sociedade, escritores e artistas. Acreditamos num diálogo entre todas as partes da sociedade. Através do nosso site, www.diasporadialogues.com, ou enviando um email para helen@diasporadialogues.com, podem obter mais informações.

 

CMC: Dois escritores portugueses – Anthony De Sa e Erika de Vasconcelos – participaram no projeto. Como foi o seu percurso no programa?

HW: Mais de 470 escritores participaram na Diaspora Dialogues como mentorandos. Uns foram mentores, outros foram mentorados. Mais de 150 pessoas publicaram os livros que estavam a desenvolver connosco. O Anthony e a Erica foram ambos mentores. O Anthony está envolvido desde o início. Ajudou-nos muito a desenvolver o nosso programa para jovens, porque foi professor bibliotecário durante muitos anos. A comunidade portuguesa em Toronto teve um grande impacto na cidade e, naturalmente, também nos nossos programas.

 

CMC: Como funcionam os programas de mentoria?

HW: Temos programas de curta duração para escritores emergentes. Todos são gratuitos e pagamos valores justos aos mentores. As pessoas candidatam-se, são selecionadas por um júri e depois trabalham individualmente com um escritor durante um mês. Pode ser presencial ou via Zoom. Os programas de longa duração duram seis meses. Temos um para a região da Grande Toronto e outro a nível nacional. Aceitamos ficção, não-ficção, literatura jovem-adulta e literatura infantil. Também temos um programa de dramaturgia, em que ligamos dramaturgos a companhias de teatro para desenvolverem a sua primeira peça.

 

CMC: O que mais a orgulha nestes 20 anos de projeto?

CMC: Criar igualdade de oportunidades. Se alguém tem talento e está disposto a trabalhar, deve ter oportunidade de o fazer. Temos um programa de desenvolvimento profissional robusto. Ligamos os escritores a editoras e agentes, organizamos eventos, ajudamos no marketing. Tenho muito orgulho nos 150 livros que saíram dos nossos programas, nas 10 peças que estrearam em palco, incluindo a ‘Kim’s Convenience’, que se tornou uma série de televisão. Os nossos mentorandos venceram ou foram nomeados para todos os grandes prémios literários no Canadá.

 

CMC: O que é que os escritores emergentes procuram? Fama? Ou algo mais profundo?

HW: Acho que querem ser vistos e ouvidos. Ninguém espera realmente ganhar dinheiro com a escrita. Querem ser compreendidos, querem poder explicar-se, entender os outros, deixar algo para trás. Também diria que 95% das candidaturas são de pessoas que querem entender a sua história de origem.

 

CMC: Também é escritora e vai publicar um novo romance. O que nos pode dizer sobre a nova obra?

HW: Vai sair no próximo ano. É um romance independente e a protagonista é Jane, diretora de um festival de cinema. Vai para as Bahamas criar um novo festival. O ex-marido segue-a e acaba envolvido num homicídio. Ela vê-se forçada a correr atrás da verdade, contra personagens que fariam de tudo para manter os seus segredos.

 

CMC: Gostaria de deixar uma última mensagem a quem nos está a ler?

HW: Um grande, grande obrigada pela vossa contribuição para Toronto e para o país. A comunidade portuguesa é notável.