ENTRE A VIDA E A MORTE

Correio da Manhã Canadá

Se há aspeto que a pandemia da COVID-19 tem deixado em evidência é o medo visceral que as pessoas têm da morte. É mesmo difícil de imaginar que outro medo – se não o da morte –seria capaz de mobilizar o planeta desta forma, de pôr as economias globais em suspenso, de forçar os Estados a libertarem dinheiro com caráter de urgência, de literalmente fazer o mundo parar. A lógica por detrás de todas as alterações que as nossas vidas têm vindo a sofrer é a de que temos medo de contrair um vírus e de morrer. Com efeito, não será absurdo concluir que o coronavírus representa isso mesmo: o nosso medo da morte.

A morte é a talvez a maior certeza da vida e, ainda assim, tendemos a fugir-lhe, a fazer dela um assunto proibido, a pensarmos com constrangimento no que dizer a um amigo ou conhecido que lidam com a partida de alguém próximo, a vestirmo-nos de negro nos funerais, ou a viver os nossos dias como se não houvesse amanhã. Talvez por ser um tabu, que tanto medo nos inspira, não saibamos de todo lidar com ela, pura e simplesmente por não conseguirmos aceitar que não somos eternos.

A pandemia do coronavírus veio lembrar-nos de que o nosso bem mais precioso é a vida e de que vale tudo, quando se trata de protegê-la. Talvez seja um tanto antropocêntrico só reagirmos quando é a nossa própria vida que está em risco – e não a de outras espécies, por exemplo – mas a mobilização global a que temos assistido veio, pelo menos, provar que quando há vontade, as mudanças acontecem. Seria. bom, no futuro, assistirmos à mesma mobilização global por outras causas, como a reversão do aquecimento global, o combate às guerras civis, o fim da miséria nos países pobres do mundo ou o aumento dos direitos dos animais, por exemplo. Temas a refletir nestes dias de quarentena…

O Canadá, neste arranque de semana, foi violentamente obrigado a lembrar-se da inevitabilidade da morte e da fragilidade da vida. Entre tantos esforços diários pela preservação da existência humana devido à pandemia da COVID-19, um tiroteio que matou várias pessoas, em Nova Scotia, declarou com rapidez e frieza que a vida é frágil e de que em simples segundos, tudo pode mudar. Não é fácil conceber uma abordagem mais leve e alegre da morte. Viver feliz com a consciência da morte ou deixar de sofrer quando alguém de quem gostamos parte é provavelmente das tarefas mais difíceis que temos em vida. Mas é possível que essa aprendizagem, espiritual ou não, seja a chave para uma existência mais consciente, feliz e impermeável aos desgostos que a morte comporta.