CELEBRAR A LIBERDADE EM CONFINAMENTO

Correio da Manhã Canadá

Portugal assinalou no passado fim de semana uma das suas mais importantes datas da história: o 25 de abril, dia da Revolução dos Cravos que, em 1974, acabou com a ditadura do Estado Novo e restituiu as liberdades democráticas aos portugueses.

No 46.º aniversário da liberdade, o Parlamento português não abriu, como é habitual, as portas ao público. Num total paradoxo, o Dia da Liberdade foi, este ano, celebrado em confinamento. Ainda assim, a Assembleia da República vestiu-se de verde e de vermelho e pôs 230 cravos nos lugares que normalmente são ocupados pelos deputados. Só 46 estiverem presentes.

Na ocasião, o Presidente da República respondeu à polémica das últimas semanas e aos que criticaram a permanência das celebrações no Parlamento, em tempos de distanciamento social. Não comemorar o 25 de Abril “no tempo, provavelmente, em que mais precisamos dele seria um absurdo cívico”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, num discurso que, para alguns, foi o seu melhor de sempre, e para outros, um sinal de pura irresponsabilidade.

Das suas casas, muitos foram os portugueses que, ao início da tarde, cantaram “Grândola Vila Morena”, música de Zeca Afonso que apadrinhou a revolução, às janelas, lembrando que a quarentena não é necessariamente desânimo e que os sentimentos de patriotismo estiveram, quem sabe, mais exacerbados do que nunca.

Curiosamente, este ano, o 25 de abril e o início do mês do Ramadão quase coincidiram. No Canadá, Justin Trudeau deixou uma mensagem à comunidade islâmica: “Embora não haja dúvidas de que o Ramadão será diferente este ano, sei que as pessoas vão encontrar formas de dar vida ao seu verdadeiro significado. A comunidade muçulmana no Canadá sempre fez do nosso país um melhor lugar e isso não será exceção este ano”, disse o primeiro-ministro, em mais um hino à diversidade.

Apesar de serem celebrações, por definição, diferentes – uma é religiosa, a outra política – ambas constituem fenómenos identitários, analogamente afetados pelas restrições da COVID-19. Um lembrete de que o vírus não escolhe credos nem orientações políticas e de que nos roubou, a todos, a liberdade de estarmos juntos, de celebrarmos datas e de cumprirmos rituais.

Por ironia do destino, o coronavírus deu-nos coesão e propósito, independentemente do nosso contexto. Dificilmente o mundo assistiu a tamanha mobilização – a de ficar em casa e impedir o contágio – no passado. Se não podemos cantar à liberdade nas ruas, cantemos à união em casa. Porque a união é talvez a força mais transformadora de todas.