Lisboa, 15 out 2021 (Lusa) — A Associação Aqui Mora Gente recebeu nos últimos meses “dezenas de queixas” relativas ao ruído das pessoas que saem à noite em Lisboa e bebem nas ruas, alertando que o modelo da animação noturna terá de ser alterado.
“Temos dezenas e dezenas de queixas [nos últimos meses], todos os dias a gente recebe [queixas]. Não é para admirar porque são milhares de pessoas na rua, que se mantêm na rua, toda a noite, cheios de álcool, só pode dar mal resultado”, disse à Lusa Isabel Sá da Bandeira, da associação que integra moradores de bairros residenciais que se dizem invadidos pela diversão noturna.
Isabel Sá da Bandeira falava a propósito dos vários incidentes que têm marcado a noite nas últimas semanas, com um registo do aumento da violência, como o caso de um segurança a agredir um cliente com socos e pontapés numa discoteca em Albufeira e a morte de um jovem de 23 anos no Porto, que foi espancado na via pública junto a um estabelecimento noturno, já depois de vários incidentes na noite de Lisboa na zona do Cais do Sodré.
A responsável frisou que as queixas são “sobretudo do ruído que dura toda a noite, até às quatro, cinco, seis da manhã”, com pessoas a “gritar por todo o lado e a fazer porcaria”.
“Ouvimos barulho de caixotes a ser atirados ao chão, vidros partidos e tudo e mais alguma coisa”, exemplificou.
Quanto ao policiamento, Isabel Sá da Bandeira reconheceu não poder avançar se existe “mais ou menos” pois afirmou não sair à noite no seu bairro.
“Os moradores chegam à noite e fecham-se em casa, fecham as janelas para não ouvir tanto barulho e não andam na rua”, frisou.
No entanto, a responsável reconhece ser “muito difícil para a polícia andar na rua, no meio de milhares de pessoas”, sublinhando que “não são dois ou quatro agentes que se conseguem impor a milhares de pessoas que estão alcoolizadas na rua”.
“É só pensar que não conseguem. Por mais autoridade que tenham o que podem fazer perante as pessoas que estão alcoolizadas e a fazer distúrbio?”, questionou.
Isabel Sá da Bandeira lembrou também o facto de ser proibido por lei beber na rua, mas realça que “toda a gente o faz”, acusando de “hipocrisia câmara e juntas de freguesia que permitem a abertura de bares quando sabem que as pessoas não cabem lá dentro e esses mesmos bares servem para a rua”.
“A noite como está é um barril de pólvora. Não sei quantas pessoas mais irão ser esfaqueadas e mortas até que se faça alguma coisa. Há muito álcool, toda a gente sabe que dá estes resultados, muita gente aglomerada, muita gente jovem e até muito turista que também vem por causa do álcool, já que este tipo de turismo tem sido fomentado”, acrescentou.
Para a responsável, urge mudar o modelo da noite fomentando “coisas que tenham outro interesse e que sejam dentro de portas, espetáculos de música como deve ser”, dando como exemplo a abertura dos teatros São Carlos e São Luís para outro tipo de espetáculos.
“Elevar o nível cultural da cidade para mudar o modelo que existe. É insustentável para toda a gente, não só para os moradores”, defendeu.
Isabel Sá da Bandeira alertou ainda para o facto de, nos últimos dois meses, terem aberto 13 bares e quatro lojas de conveniência no Cais do Sodré, entre o Corpo Santo e a rua da Boavista.
“Trata-se de bares que não conseguem ter mais de 10 pessoas dentro de portas, as pessoas estão na rua, abrem para servir as pessoas na rua. Não é viável”, acusou.
De acordo com Isabel Sá da Bandeira, os problemas na noite de Lisboa têm acontecido sobretudo no Bairro Alto, Príncipe Real, Santa Catariana e Cais do Sodré.
Para a responsável, os ‘stakeolders’ — como Governo, Câmara Municipal, moradores e estabelecimentos comerciais — vão ter de se unir e “mudar o ‘chip’ para fazer da noite uma coisa melhor”.
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