Na noite das presidenciais portuguesas, um dos muitos comentaristas que acompanharam os resultados em direto na televisão fez uma analogia curiosa. Face a um momento caricato, em que Marcelo Rebelo de Sousa dava voltas por Lisboa tentando estacionar o carro para o discurso da vitória, disse tratar-se de uma metáfora pertinente para o futuro da política portuguesa: como “um carro que deambula”, o Presidente reeleito reforçou o seu poder, não deixando por isso de ter “consciência aguda do problema político sério que tem no horizonte”. Com efeito, os resultados das presidenciais espelham a profunda transformação que Portugal tem sofrido e os desafios acrescidos que o diálogo partidário tem pela frente.
Marcelo, do PSD, conseguiu 60,7% dos votos com o apoio do Governo do PS, numa proximidade entre partidos tradicionalmente rivais muito criticada. Ana Gomes, do PS, foi desprezada pelos próprios socialistas, conseguindo, pelo menos, ficar à frente do político de extrema-direita André Ventura, com 12,97% dos votos, mas por uma margem assustadoramente pequena – um alerta para a revolta de 11,9% dos eleitores, que deve ser encarada e resolvida, sob pena de resvalar para políticas manifestamente contrárias à democracia. Já a esquerda mais ortodoxa perdeu redondamente as eleições.
Mas no seu discurso de vitória, Marcelo teve a inteligência de não focar o discurso na batalha política. Em vez disso, lembrou que Portugal enfrenta um dos seus mais negros momentos da história, com números pandémicos que o colocam entre os piores do mundo. “É a nossa primeira missão: conter a pandemia, para depois podermos passar para o que tanto precisamos”, “a reconstrução”, disse, impedindo que a febre eleitoral abafasse o assunto que se impõe.
Palavras de seriedade e esperança, numa altura de momentos decisivos também na política canadiana. No Canadá, a “troca de cadeiras” num cargo institucional altamente simbólico também já está a acontecer, na sequência da renúncia de Julie Payette, agora ex-governadora geral do Canadá e representante da rainha Isabel. Em causa estão denúncias de alegado assédio profissional, que servem de lembrete do escrutínio a que os nossos representantes estão – e bem – sujeitos.
E nos EUA, a democracia triunfou. Num acontecimento que dispensa grandes explicações, a recente vitória de Joe Biden sobre Donald Trump é a prova de que mesmo nos momentos de maior angústia, o diálogo e a inclusão conseguem ser mais fortes. “Não vou ser um Presidente que divide, mas que une”, disse Biden, numa frase simples, mas que encerra a mais importante e universal das verdades.
Esperança de dias menos radicais para o mundo e para o vizinho canadiano, cujo líder foi o escolhido para o primeiro telefonema de Biden. Trudeau falou com o presidente americano ao início da noite de sexta-feira. Uma conversa cordial, mas já com pelo menos um espinho: a suspensão do projeto de expansão do oleoduto Keystone XL entre entre Alberta e o Nebraska.