Rádios comunitárias chegam onde falha tudo na Guiné-Bissau

Bissau, 12 jul 2025 (Lusa) — Uma rede de rádios comunitárias na Guiné-Bissau mantém as comunidades locais ligadas e informadas, mesmo onde não há eletricidade, rede móvel ou correios nas zonas mais recônditas do país africano.

Das campanhas de vacinação a questões da escola ou “desgostos” (óbitos), é através das 34 rádios espalhadas por toda a Guiné-Bissau, seis das quais nas ilhas Bijagós, que as comunidades se informam e se ligam ao mundo.

Um modelo pioneiro nos países africanos de língua oficial portuguesa, sublinhou à Lusa Mamudu Danso, diretor de programação da Voz do Quelelé, a primeira rádio comunitária guineense, criada há 31 anos.

A Voz do Quelelé surgiu da parceria entre a Organização Não Governamental (ONG) AD- Ação para o Desenvolvimento, em colaboração com a associação dos moradores do bairro do Quelelé, na cidade de Bissau.

Vista inicialmente pelo partido único, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), como opositora ao regime, a rádio “ganhou fama através de programas de saúde”, nomeadamente durante a epidemia de cólera no país.

“Os técnicos vieram para o estúdio falar diretamente, através de linhas telefónicas, com os ouvintes, sensibilizar as pessoas de como deviam cuidar-se, tratar as águas, como deviam lavar as mãos antes de pegar qualquer tipo de alimentos”, partilhou Mamudu.

Isso levou a que o bairro Quelelé só tenha registado “um óbito e seis casos notificados”, enquanto noutros bairros as consequências foram maiores, destacou.

O Ministério da Saúde reconheceu o papel da emissora e a Voz do Quelelé foi a primeira rádio comunitária licenciada na Guiné-Bissau.

“A Rádio Voz do Quelelé foi a primeira experiência, a primeira rádio comunitária a nível dos países africanos de língua oficial portuguesa. Os de Cabo Verde, os de Angola vieram aqui para tomar a experiência da Rádio Quelelé para depois implementarem rádios comunitárias lá”, contou.

A essência da rádio “é falar exclusivamente de assuntos da comunidade”, como estão a funcionar as escolas, as dificuldade de saneamento, o desporto local – acompanham a equipa de futebol do bairro -, a cultura, os mercados e os negócios.

As campanhas de sensibilização estão sempre presentes, seja para evitar incêndios nas casas, seja para cuidar do lixo, que é um problema na cidade de Bissau.

Falam em crioulo ou nas línguas locais, mas têm também espaço semanal para a língua oficial, o português, que está temporariamente suspenso à procura de um professor que ajude a regressar o programa à antena.

Todos os que ali trabalham, atualmente dez jovens, são voluntários que veem na rádio também uma escola de formação.

Ali começaram profissionais da comunicação guineenses que são atualmente diretores de outros órgãos ou correspondentes internacionais, como lembrou Mamudu.

Ele próprio nunca ganhou dinheiro na rádio, mas ganhou conhecimento, fez duas licenciaturas, em jornalismo e psicologia, que lhe garantem o sustento e continua ligado à emissora.

Esta e todas as rádios comunitárias guineenses “têm dificuldades económicas, o que [as] move é a importância que têm para a comunidade”, segundo Demba Sanhá.

Demba coordena a Rede Nacional das Rádios Comunitárias da Guiné-Bissau (RENARC), com 38 membros, 34 rádios e quatro televisões comunitárias.

“Para muitas comunidades é o único meio de comunicação”, disse à Lusa, acrescentando que, “atualmente, no país existem outras fontes de acesso à informação, a televisão, as redes sociais, mas a rádio torna-se mais acessível para o consumo de informação”.

“Mesmo uma comunidade ou uma pessoa no campo já consegue adquirir o rádio [a pilhas] e escutar uma notícia, um programa. Há vários lugares onde você vai, chega lá, não querem outra coisa, pedem a rádio, isso mostra o valor que a rádio tem para a comunidade”, apontou.

Os que trabalham nestas rádios são “elementos de referência para a comunidade”.

“Se a pessoa sentir falta de informação ou tiver uma dúvida em relação a um certo aspeto vai perguntar ao ‘fulano’ da rádio”, concretizou.

Outro papel que as rádios comunitárias desempenham é a facilitação da comunicação intercomunitária, em zonas onde não há eletricidade, rede móvel ou serviço postal.

Demba lembra que, dantes, as comunidades comunicavam entre si através de cartas, enviavam alguém de bicicleta com a mensagem, ou usavam megafones.

“A rádio chegou e resolveu esse problema, as pessoas com a rádio conseguem comunicar tudo o que precisam, com a rádio conseguem fazer”, afirmou.

Os que lá trabalham fazem-no com dificuldade, sendo que “o maior problema é a energia”.

A maior parte destas rádios comunitárias funciona com geradores.

Quando falta combustível, não conseguem trabalhar, quando o combustível escasseia, reduzem as horas de emissão.

A RENARC tem como missão, além da formação aos profissionais, coordenar e facilitar parcerias para colmatar a falta de recursos com projetos como a instalação de painéis solares, com que algumas já foram contempladas.

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