
Praia, 23 mar 2022 (Lusa) – O Governo cabo-verdiano manteve inalterada a proposta de lei de alteração à supervisão do Fundo Soberano, devolvida em janeiro pelo Presidente da República, que discordou da medida, e será submetida na sexta-feira a nova votação no parlamento.
“O Governo entende que devemos manter a proposta como inicialmente feita e aprovada nesta casa parlamentar, tendo em conta que os argumentos aqui aduzidos”, afirmou o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, depois de a apresentar no parlamento, esta tarde, tal como tinha sido aprovada em novembro, alterando a competência da supervisão do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP), de 100 milhões de euros, do Banco de Cabo Verde (BCV) para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM).
O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, anunciou em 29 de janeiro que devolveu ao parlamento a alteração à lei proposta pelo Governo da supervisão daquele Fundo, por não entender a motivação da alteração, defendendo que devia permanecer na alçada do BCV.
Na carta divulgada pela Presidência da República, dirigida ao presidente da Assembleia Nacional, que aprovou a alteração ao artigo 21.º da Lei n.º 65/IX/2019, de 14 de agosto, prevendo a passagem da supervisão do Fundo do BCV para a AGMVM, José Maria Neves pedia “melhor análise e ponderação” ao parlamento, como prevê a Constituição, “antes da decisão formal de promulgação ou veto”.
Durante a sessão de hoje, o presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, esclareceu que após pedidos de parecer foi concluído que esta devolução é um veto político, sendo por isso a proposta do Governo discutida como segunda submissão, enquanto os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) recusaram esse entendimento, afirmando ser uma via de diálogo aberta pelo chefe de Estado.
“Esta proposta de lei, segunda deliberação, ficará sujeita ao período de votação, na sexta-feira”, anunciou Austelino Correia.
Na apresentação da mesma proposta, o vice-primeiro-ministro recordou que o Fundo “é um instrumento de investimento coletivo” e que o quadro de supervisão “está claramente definido ao nível do mercado de capitais, sendo incumbido à AGMVM”.
“Sendo assim, vamos ter duas entidades a supervisionar o FSGIP. Uma diretamente, que é AGMVM, em relação ao próprio Fundo Soberano, e uma outra, que é o banco central, que faz a supervisão e a regulação das instituições que irão fazer a aplicação dos ativos do fundo”, sublinhou, justificando a opção de manter a proposta.
“Por isso é que pensamos que com esta solução, de passar a auditoria do fundo à AGMVM, vamos ter aqui uma dupla supervisão, uma dupla regulamentação e um duplo controlo, seja ao nível do fundo soberano, como também ao nível das instituições que vão fazer a aplicação financeira dos ativos”, insistiu Olavo Correia, sublinhando que tendo em conta que o fundo “emite títulos de mercado de capitais”, interna e externamente, “está obrigado à supervisão da AGMVM”.
“Colocar em causa a capacidade de regulação e supervisão da AGMGM seria desconsiderar o papel que desempenha e vem desempenhando na supervisão do mercado de capitais”, disse.
Da parte do PAICV, que em novembro já tinha votado contra a proposta, levantando os mesmos argumentos invocados pelo Presidente da República, o deputado Démis Almeida afirmou que esta alteração vai “afrouxar da supervisão” do Fundo, ao sair da dependência do BCV.
Lamentando a atitude do Governo, o deputado recordou que após a devolução da proposta pelo Presidente, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, chegou a admitir uma “alteração pontual”, para manter a supervisão no BCV, o que acabou por não acontecer.
José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016, pelo PAICV), recordou na carta em que devolveu a proposta ao parlamento que “o BCV já dispõe de competências legais de supervisão, nomeadamente em termos de matéria contraordenacional, iguais ou até superiores” às que, disse, “pretende o Governo com a ‘revisão dos aspetos do regime contraordenacional dos Organismos de Investimento Coletivo, no sentido de garantir o respeito pelas normas previstas no respetivo regime jurídico'”.
“Por outro, o BCV já vem exercendo a supervisão das instituições por ele reguladas e supervisionadas há já várias décadas, pelo que já acumulou um leque bastante vasto de experiências vivenciadas e de ‘expertise’, para além de dispor de muito mais recursos (humanos, materiais, tecnológicos, etc.) do que a AGMVM”, lê-se.
Trata-se da primeira decisão do género, conhecida publicamente, de José Maria Neves, empossado quinto Presidente da República de Cabo Verde em novembro passado, e eleito com o apoio do PAICV.
A alteração proposta pelo Governo foi aprovada no parlamento cabo-verdiano em 28 de novembro de 2021 apenas com os votos favoráveis da maioria do Movimento para a Democracia (MpD, poder) e da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID).
O FSGIP foi criado em 2019 pelo Governo cabo-verdiano liderado por Ulisses Correia e Silva (MpD) após a extinção do International Support For Cabo Verde Stabilization Trust Fund, para garantir a emissão de valores mobiliários, em particular títulos de dívida, por empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano em mercados regulamentados para financiamento dos respetivos investimentos, e para conceder garantias a operações financeiras de natureza equivalente de que sejam beneficiárias empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano.
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