Sonhos da luta de libertação das ex-colónias continuam por se realizar – historiador

Lisboa, 23 ago 2025 (Lusa) — O historiador democrático-congolês Jean-Michel Mabeko-Tali defende que os sonhos dos que lutaram contra o colonialismo português “talvez ainda estejam para, enfim, se realizar”.

Em entrevista à agência Lusa, Mabeko-Tali, professor da Universidade de Howard, nos Estados Unidos, destacou o caso da Guiné-Bissau, pela negativa, como paradigma de uma terra onde os sonhos continuam por se cumprir.

A Guiné-Bissau é um país que “teve, certamente, a luta armada mais bem-sucedida e, hoje, quando a gente olha para a Guiné, mete dó […] enfim, digamos, o sonho do Cabral não está aí”.

“Na minha opinião, não está aí e, cada vez que há um golpe de Estado no Guiné […] penso sempre que Cabral está a ser morto pela segunda, pela terceira, quarta vez”, acrescenta.

A Guiné-Bissau, que declarou unilateralmente a independência de Portugal em 24 de setembro de 1973, ainda durante o regime colonial português, abrindo caminho à queda das restantes pedras do regime colonial português, foi o primeiro país a sofrer um golpe de Estado.

Em 14 de novembro de 1980, Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral e primeiro Presidente, foi derrubado por um golpe dirigido por João Bernardo “Nino” Vieira, que fora quem lera sete anos antes a proclamação unilateral de independência.

Desde então, as intentonas, umas bem-sucedidas outras mal explicadas, num saldo de quatro golpes de Estado e uma guerra civil (1998-1999), consolidaram a caraterização por organizações internacionais de um país refém de interesses externos ligados ao narcotráfico.

Especialista em história de África e tendo antes lecionado na Universidade Agostinho Neto, em Angola, e sido professor e investigador na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales e na Maison des Sciences de l’Homme, em Paris, Mabeko-Tali desempenhou funções diplomáticas e esteve envolvido em projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) dedicados ao ensino da História em África.

Mabeko-Tali evoca ainda Angola e Moçambique, considerando que os sonhos que levaram à luta pela independência ainda não se realizaram.

“A liberdade está aí, que é fundamental. O problema é que a liberdade significa a responsabilidade em todos os setores. A questão económica, a questão social, todos os países que passaram por este processo ainda estão, realmente, com o sonho por se cumprir”, lamenta.

Angola e Moçambique são países onde os recursos naturais e energéticos existentes deviam estabelecer a diferença entre a pobreza e a garantia de condições de vida.

“O recurso natural nunca é uma maldição, é tudo uma questão da gestão daquilo que se tem como recurso. Eu recordo-me que, cada vez que se descobrisse um poço de petróleo novo em Angola, quando eu estava lá, as pessoas diziam, é mais uma desgraça”, recorda.

“A ideia de que os recursos naturais são uma maldição, eu não apoio essa ideia, eu penso que, pelo contrário, a questão é a da gestão de recursos, portanto não penso que seja uma maldição, pelo contrário”, reitera.

Questionado sobre se o problema assenta na falta de preparação dos que foram chamados a dirigir os novos países, Mabeko-Tali defende que não.

“Eu não diria isso, porque acho que temos quadros suficientes para gerir o país. A questão fundamental é a questão política. Qual é a visão que os políticos têm do futuro do país? Porque, quadros há, e muitos deles, muito competentes. O problema é que o uso destes quadros depende das políticas nacionais”, frisa.

Jean-Michel Mabeko-Tali é autor de várias obras de referência, incluindo “Dissidências e Poder de Estado: O MPLA perante si próprio 1962-1977” (2001), “Barbares et Citoyens — L’ Identité Nationale à l’ Épreuve des Transitions Africaines” (2005), “Guerrilhas e lutas sociais: O MPLA perante si próprio, 1960-1977: Ensaio de História Política” (2018) e de “Rótulos Atribuídos, Rótulos Assumidos. Memorias e Identidades Políticas em Angola, da Luta armada ao 27 de Maio de 1977 (1960-1977) (2023).

*** Eduardo Lobão, da agência Lusa ***

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