Religião: “O padre, antes de mais, também é um homem”

Padre Ricardo Esteves considera que a Igreja Católica é “bastante progressista” Foto: Padre Ricardo Esteves/Facebook

Padre Ricardo Esteves fala ao CMC sobre a sua vinda ao Canadá, entre outros temas

O padre Ricardo Esteves prepara-se para a sua primeira visita ao Canadá, onde participa num fórum motivacional a 15 de fevereiro, entre outros eventos da comunidade portuguesa. No fórum, em Toronto, pretende abordar temas como a busca pela felicidade, as relações humanas e a importância de se viver uma vida plena e equilibrada. Numa conversa franca com o Correio da Manhã Canadá (CMC), o sacerdote partilhou a sua visão sobre a Igreja, o papel dos pais, a homossexualidade e outros assuntos sensíveis.

 

Correio da Manhã Canadá: O que é este fórum e o que pode o público esperar?

Ricardo Esteves: O fórum vai partilhar caminhos para encontrar, nos dias de hoje, um pouco de paz. A vida é tão corrida, tão stressada, que muitas vezes perdemos os sonhos de vista e dedicamo-nos ao que é mais consumista. Temos de aprender a parar um pouco para encontrar o nosso caminho, a nossa realização pessoal. Podemos ser muito profissionais, mas, se calhar, não atingimos aquilo que nos preenche e nos torna plenos.

 

CMC: Quais são os principais temas do encontro?

RE: Primeiro, aprender a ser feliz e a olhar para a forma como nos relacionamos com os outros, porque é nos outros que nos conhecemos e descobrimos as nossas qualidades, virtudes e defeitos. Errar é humano, mas humano é corrigir. É importante também a autoestima, não só do corpo, mas na forma como vemos e interpretamos a vida.

 

CMC: Este fórum é para um público crente ou para o público em geral?

RE: Não diria que é para crentes ou cristãos apenas. É para todos. Antes de sermos cristãos ou seguirmos outra religião ou filosofia, somos homens e mulheres. Todos temos uma tendência natural para procurar ser feliz.

 

CMC: O fórum é descrito como um evento de causa social. Em que sentido?

RE: Não é propriamente de causa social, mas farei a apresentação dos meus quatro livros, cuja receita reverte na totalidade para ajudar jovens com capacidade intelectual, mas sem condições económicas para concluir os estudos. É uma forma de ajudar a cobrir propinas e habitação. Esta é a parte mais solidária do evento.

 

CMC: É a primeira vez que promove este contacto com a comunidade luso-canadiana?

RE: Sim, embora conheça algumas pessoas que vieram da minha zona residencial, do distrito de Viana do Castelo. Sei que o Alto Minho também está fortemente representado aí e eu fico feliz por isso. Esta é uma oportunidade para rever amizades antigas e criar novas. Reconheço que ser imigrante não é fácil. Deixamos o nosso lar, à procura de uma vida melhor.

 

CMC: Falando agora do seu percurso, como descobriu que queria ser padre?

RE: Entrei para o seminário com 10 anos, prestes a fazer 11. Tínhamos os nossos estudos fora do seminário e, dentro do seminário, tínhamos outros mais relacionados com a nossa área. O seminário é uma casa de discernimento. Íamos descobrindo um contacto mais íntimo com Deus, pela vida quotidiana, pelo exemplo de outros padres, por testemunhos e pelas nossas orações. Tentávamos perceber se era realmente um capricho ou uma vocação, uma vontade nossa. O tempo foi passando e fui apercebendo-me de que era este o caminho para mim.

 

CMC: Em Portugal, é conhecido como um padre diferente, que vai ao ginásio, que adora motas e toca vários instrumentos. Diria que é um padre pouco convencional?

RE: Eu não vejo as coisas dessa forma. Não sigo caprichos. Acho que andar de mota é algo perfeitamente normal. Um padre que gosta de praticar desporto é algo natural, porque o padre, antes de mais, também é um homem. Desde que saiba viver com liberdade e com a responsabilidade que lhe é inerente, não vejo qualquer problema. Aqui em Portugal, surgiu a ideia de que sou o padre que vai à praia de calções. Questionei-me muitas vezes: uma pessoa, seja padre ou não, vai à praia como? De calças de ganga? De casaco? Acho que sou uma pessoa normal, que quer viver uma vida normal como qualquer outra. O simples facto de conseguir viver esta vida normal, que alguns consideram pouco convencional por ser padre, vejo como uma forma de me aproximar das pessoas.

 

CMC: Como vê questões como o aborto ou a homossexualidade?

RE: Em relação ao aborto, sou completamente contra. Compreendo que há muitas situações difíceis, com muita agonia. Mesmo assim, eu gostaria que as pessoas não o fizessem. No fundo, é um semelhante nosso, é alguém que vai nascer, é alguém que hoje pode intimidar-nos, mas que, no futuro, pode encher-nos de alegrias. É um ser humano que ali está. Em relação à homossexualidade, acho que cada pessoa deve lutar pela vida e ser feliz, não importa a sua tendência, seja heterossexual ou homossexual. Acredito que cada um deve seguir a felicidade como o seu corpo desejar, como a pessoa entender. Quem sou eu para julgar alguém que tem uma sexualidade diferente da minha?

 

CMC: Tendo isso em conta, sente que a Igreja precisa de mudar?

RE: Eu acho que a nossa Igreja é bastante progressista, e o Papa Francisco tem feito um trabalho exímio nesse sentido. Só que também temos de entender que a Igreja Católica é uma instituição com milénios de história, e sabemos que a mudança, por vezes, não é fácil – mesmo nós, quando tentamos mudar coisas simples na nossa rotina, sentimos dificuldade. A Igreja Católica não pode mudar de um dia para o outro, senão arrisca provocar outro cisma, como já aconteceu noutras épocas. Agora, a Igreja vai avançando de forma adaptada aos tempos.

 

CMC: Estes temas serão abordados no fórum?

RE: Sim, estes e outros também, sobretudo a vida na relação do casal, a relação com os amigos, a relação connosco próprios e, acima de tudo, a relação que os pais devem ter com os filhos. Hoje em dia, vejo muito que os pais vivem para os filhos. Eu sou contra isso. Acho que os pais devem viver com os filhos. Um dia os filhos vão embora, e os pais ficam sozinhos em casa. Quem são os pais nesse dia? São dois estranhos que se conhecem demasiado bem. Acho que estes são temas muito interessantes. Vão permitir às pessoas questionarem-se.

 

CMC: Quer deixar uma mensagem à comunidade portuguesa no Canadá?

RE: Sei que estão a preparar a minha chegada ao Canadá da melhor forma. Estou muito grato. Estas comunidades portuguesas não me conhecem, e sinto que estão a ser hospitaleiras e a fazê-lo de coração. Por isso, deixo-lhes uma palavra de agradecimento, que certamente reforçarei de outra forma, mais presencial, quando estiver aí.