Lisboa, 07 set 2024 (Lusa) — Os roubos de cortiça têm vindo a agravar-se nos últimos anos, gerando elevados prejuízos, e os produtores querem que estes sejam classificados como “crime ambiental”, exigindo ao Governo o reforço da vigilância, das penas e multas.
Segundo dados da Guarda Nacional Republicana (GNR) enviados à Lusa, entre janeiro e 20 de agosto foram registados 321 furtos de cortiça.
Pelos dados disponíveis “conseguimos dizer que os furtos têm aumentado imenso nos últimos anos e têm tido outros contornos”, afirmou a presidente da Associação de Produtores Florestais de Coruche (APFC), Rita Bonacho, em declarações à Lusa.
O padrão mudou e, hoje em dia, a cortiça é furtada com quatro ou cinco anos de criação, ou seja, abaixo dos nove anos, definidos por lei como a idade de tiragem, com os furtos a intensificarem-se à medida que o valor comercial deste produto cresce.
Os produtores acabam assim por ter um prejuízo redobrado, tendo em conta que ficam sem a cortiça e que as suas árvores são danificadas. Muitas acabam mesmo por morrer e as que sobrevivem têm uma produção desfasada das restantes.
Conforme reforçou a APFC, em causa está uma prática ilegal, não só pelo furto em si, como pela própria idade da cortiça.
“Quando alguém quer tirar cortiça com menos de nove anos, tem de pedir uma autorização especial. É um produto que não está nas suas devidas condições”, explicou Rita Bonacho, acrescentando que, apesar de a extração da cortiça ocorrer, regra geral, entre abril-maio até agosto-setembro, os roubos estendem-se mesmo durante o inverno.
Segundo dados citados pela associação, em 2012, foram reportados 554 furtos de produtos agrícolas (incluindo de cortiça), mas, em 2023, já tinham sido registados mais de 1.250.
Ainda assim, a APFC alertou para o facto de estes dados não refletirem a realidade que está a ser vivenciada nos montados, tendo em conta que muitos produtores estão a desistir de apresentar queixa às autoridades, uma vez que estas acabam quase sempre arquivadas.
Perante este cenário, a insegurança e a violência aumentam e os produtores veem-se obrigados a reforçar a proteção das suas terras.
“Visto que o furto ocorre fora do prazo e do enquadramento previsto na lei para a proteção do sobreiro e da azinheira, este crime tem de ser considerado um crime público e ambiental. É um crime que ataca a biodiversidade, o montado e, em particular, a árvore”, defendeu Rita Bonacho.
Para os produtores, só com o reforço das multas e penas é que seria possível dissuadir os criminosos.
Reclamam também um reforço dos meios no terreno para a vigilância das terras e para prosseguir com as investigações.
A presidente da APFC considerou que é ao Estado que deve caber a tarefa de assegurar a segurança e a vigilância, sublinhando que só as autoridades têm essa legitimidade.
Os produtores florestais de Coruche têm em campo um plano de ação que, embora direcionado aos fogos, pretende contribuir para a segurança da região: têm cinco carrinhas a fazer o controlo no terreno e, em articulação com a Câmara Municipal, são definidas estradas de acesso condicionado a determinadas horas do dia. A ideia era estender este plano à floresta, mas tem sido difícil.
“No território florestal e mais agrícola é difícil controlar e retirar estas regalias e direitos às pessoas. O território está mais desocupado, temos menos gente e menos vigilância e acaba por estar mais suscetível a estes furtos”, referiu.
Os produtores lamentam não terem ainda recebido qualquer resposta do Governo a esta situação, notando que não existem apoios disponíveis para estas situações ou seguros que possam cobrir os furtos de cortiça.
“É importante chamar à atenção para esta fragilidade que existe em termos de legislação, despertar para esta situação gravíssima em termos ambientais e percebermos que, se houver vontade política, temos as ferramentas necessárias para controlarmos esta situação, que é um crime ambiental, que destrói a floresta portuguesa e uma árvore nacional”, vincou a APFC, que conta com perto de 450 associados e cuja área de influência abrange Coruche, distrito de Santarém, e os concelhos limítrofes — Mora, Vendas Novas, Benavente, Salvaterra de Magos, Almeirim, Chamusca e Ponte de Sôr.
Em resposta à Lusa, o Ministério da Agricultura disse ter conhecimento de “inúmeros relatos de roubo” por todo o país, com maior incidência em culturas como a da cortiça. A estes somam queixas de materiais vandalizados, como máquinas agrícolas e pivots.
O ministério tutelado por José Manuel Fernandes assegurou que, desde maio, esta situação foi sinalizada, encontrando-se a trabalhar com o Ministério da Administração interna para um reforço policial nos locais identificados pelo setor como mais propensos a furtos.
Para além de ter contactado com as confederações de agricultores, o ministério disse estar a estudar a possibilidade, viabilidade e legalidade de algumas medidas de apoio, sem detalhar.
Contudo, o Ministério da Agricultura assegurou ter a intenção de “analisar a possibilidade de usar mecanismos e instrumentos financeiros da União Europeia” para apoiar parte do custo de implementação de sistemas de segurança.
Os dados disponibilizados pela GNR revelam que, em 2022, foram registados 284 furtos de cortiça e detidos 22 suspeitos, sendo que no ano seguinte verificaram-se 465 furtos e 45 detidos.
Até 20 de agosto do corrente ano, contabilizaram-se 321 furtos e foram detidos três suspeitos.
Por distrito, este ano, os mais afetados foram Santarém (74), Portalegre (73) e Setúbal (68).
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