“Padrão de Guerra” é a única estátua colonial em Maputo 50 anos depois

Maputo, 14 jun 2025 (Lusa) – Cinquenta anos depois da independência de Moçambique, o monumento em homenagem aos que combateram na Primeira Guerra Mundial, no coração de Maputo, é a única estátua do período colonial ainda de pé e que nunca foi removida.

“Este é um monumento que não individualiza a história, temos ali vários atores, se for a olhar com detalhe há lá representação de vários segmentos da sociedade, desde militares, pessoas civis, representação da ciência. E essa colocação neste espaço nobre da Praça dos Trabalhadores dá a este lugar uma paisagem diferente e todos estes elementos podem ter contribuído para que ficasse aqui”, disse à Lusa o historiador Marlino Mubai, professor na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Moçambique assinala, em 25 de junho, 50 anos da proclamação de independência, por Samora Machel, o primeiro Presidente moçambicano.

Volvidos 50 anos, o “Padrão de Guerra”, estátua do período colonial português do escultor português Ruy Roque Gameiro e do arquiteto Veloso Camelo, edificado em 1935 e que homenageia os combatentes europeus e africanos que morreram na Grande Guerra, continua implantado na Praça dos Trabalhadores, em Maputo.

“É preciso frisar que na Primeira Guerra Mundial não só tivemos a participação de portugueses, mas tivemos muitos africanos do atual território moçambicano a combater ao lado dos portugueses e a dimensão global deste conflito talvez justificasse que o mesmo não fosse removido”, explica o historiador do departamento de História da UEM.

Outro motivo que fez com que o Governo moçambicano optasse pela permanência da estátua, ao contrário de todas as restantes, do período colonial, explica Marlino Mubai, é que, apesar de Moçambique ter entrado na guerra por “arrasto”, o país e seus soldados que tombaram acabaram por “ser atores da história global”.

“Este monumento nos lembra o quão o nosso passado está emaranhado com o passado do mundo de uma forma global”, detalha.

O monumento contém quatro placas que representam quatro batalhas durante a grande guerra entre os exércitos alemão e português ocorridas em Mecula, Quivambo, Quionga e Mevala.

Possui também uma serpente, representando o génio científico dos descobridores e é composta igualmente por uma mulher no topo que representa a pátria portuguesa que na sua esquerda tem um escudo, à direita sustenta um bloco com as quinas e uma espada mostrando as conquistas de Portugal ao longo do tempo.

As restantes estátuas e monumentos do período colonial português em Moçambique foram removidas, algumas realocadas na Fortaleza de Maputo, na capital moçambicana. Por ali está guardado, e pode ser visto, o busto de Mouzinho de Albuquerque e de António Enes, esculturas da cavalaria de Portugal colonial, entre vários materiais bélicos antes junto a museus e agora colocados na Fortaleza.

As paredes da Fortaleza possuem também painéis que representam os combates e captura e prisão do último imperador de Gaza, Ngungunhane, por Mouzinho de Albuquerque, representando praticamente o fim da resistência contra a ocupação colonial, em 1895, assim como outras esculturas de cavaleiros portugueses durante campanhas de ocupação colonial.

O historiador Marlino Mubai diz que fez sentido a remoção e substituição das estátuas por novas, que simbolizam, os heróis nacionais, casos em Maputo de Samora Machel e de Eduardo Mondlane, líderes históricos que lutaram contra a dominação colonial. E acrescenta que auxiliaram na construção de uma nova identidade, justificando que as antigas glorificavam as conquistas de Portugal.

“Não é um fenómeno isolado de Moçambique, é um fenómeno que ocorre praticamente em todas as nações que saem de passados coloniais, há sempre uma tentativa de construir uma nova identidade através da mudança da toponímia e até de mudança de monumentos”, diz, esclarecendo que os monumentos não foram destruídos.

“Foram realocados para espaços menos visíveis. Queria dar exemplo da estátua de Mouzinho de Albuquerque, que estava na [atual] Praça da Independência. Aquele é um local estratégico de ponto de vista da imagem da cidade assim como do simbolismo do poder. Tendo ali uma estátua de Mouzinho, um indivíduo que simboliza o triunfo do colonialismo, não ficava bem do ponto de vista da construção da memória do novo Estado”, acrescenta.

O Governo moçambicano recolocou «algumas estátuas após as remoções, como é o caso do busto de Luís Vaz de Camões, na Ilha de Moçambique, onde o poeta chegou a viver, explicando que a mesma foi recolocada por estar ligada à arte e à língua que se tornou oficial em Moçambique.

“Isso [remoção de monumentos] não é rejeição do passado. O passado colonial faz parte da história de Moçambique, mas do ponto de vista da forma como os processos ocorrem não é celebrando o passado colonial que se constroem as novas identidades, é preciso uma rotura na continuidade”, aponta o historiador.

“O passado vai sempre fazer parte de nós, tanto mais que, para quem lê a história da luta de libertação, há uma mensagem segundo a qual o inimigo não é o povo português, mas sim o regime colonial fascista que os próprios portugueses rejeitaram”, conclui.

*** Pretilério Matsinhe (texto), Fernando Cumaio (vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa ***

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