MOÇAMBIQUE/DÍVIDAS: SOCIEDADE CIVIL CRITICA “LENTIDÃO” NA RECUPERAÇÃO DE ATIVOS

Maputo, 17 dez 2020 (Lusa) – O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) de Moçambique, plataforma que junta várias organizações da sociedade civil, exigiu hoje a responsabilização dos envolvidos nas “dívidas ocultas”, criticando a lentidão no processo de recuperação de ativos e do dinheiro.

“Neste momento a percentagem de ativos que podem ser recuperados é de menos de 5% em relação a todos os ativos que estão em causa, então o processo de recuperação é muito lento”, disse Borges Nhamirre, investigador do Centro de Integridade Pública, uma das organizações não-governamentais (ONG) que integram o FMO.

Borges Nhamire falava em Maputo, durante um seminário sobre responsabilização no âmbito dos processos das “dívidas ocultas”, organizado pelo FMO.

Para o FMO, além de levar os arguidos à barra da justiça, a responsabilização dos envolvidos no processo das “dívidas ocultas” passa por garantir a recuperação dos ativos, considerando que, tendo em conta aquilo que a Procuradoria tem estado a publicar, “as apreensões estão muito abaixo do [dinheiro] gasto em subornos”.

Borges Nhamire sublinhou que a prisão dos envolvidos “não é necessariamente” uma responsabilização para o crime de corrupção, reafirmando que só seria caso Moçambique conseguisse recuperar o dinheiro.

“O que está em causa não é se a pessoa fica na cadeia, mas é com quem fica o dinheiro. Se o dinheiro fica com as pessoas acusadas, mesmo depois de estarem na cadeia, não houve uma responsabilização plena, aí o crime compensa”, referiu Borges Nhamire.

A sociedade civil reclama ainda da demora no processo moçambicano, comparado aos outros países, referindo que já se passaram cinco anos, e entretanto “não houve nenhuma decisão relevante, apenas pequenas decisões processuais”.

“A justiça tem de ser decidida em tempo útil, se levar mais tempo, o dinheiro já não terá o mesmo valor”, alertou Borges Nhamire.

Para Adriano Nuvunga, coordenador do FMO, o processo é também caracterizado pela exclusão de “importantíssimos arguidos”, o que coloca em causa a sua credibilidade, sendo, por isso, “facilmente considerado um processo político”.

“Se as pessoas ficam na cadeia, como alguns estão, mas os milhões de dólares que foram desviados continuam com elas, isso claramente não está a permitir a responsabilização que nós esperamos”, sublinhou o ativista que dirige o Centro para Democracia e Desenvolvimento, ONG que também integra o FMO.

As “dívidas ocultas” estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros), contraídos entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo liderado por então chefe de Estado Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

Além dos processos autónomos, aguarda julgamento em Moçambique o processo principal com 19 arguidos (18 dos quais detidos), entre os quais sobressaem figuras do círculo próximo do ex-presidente, tais como um dos filhos, Ndambi Guebuza, e a sua secretária pessoal, Inês Moaine.

O Ministério Público moçambicano acusou os arguidos do processo principal de associação criminosa, chantagem, corrupção passiva, peculato, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão e falsificação de documentos, ainda sem julgamento marcado.

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