
Rio de Janeiro, 18 out 2025 (Lusa) – Luís Roberto Barroso, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil que se aposenta hoje, votou pela despenalização do aborto até às 12 semanas de gestação, num processo que o próprio juiz interrompeu em 2023.
Barroso, que até setembro presidia ao STF, tornou-se na sexta-feira o segundo dos 11 juízes do Supremo a votar neste caso e o segundo a decidir a favor da despenalização do aborto.
A primeira a fazê-lo foi a Rosa Weber, que também aprovou a despenalização do aborto na véspera da aposentação, em setembro de 2023.
Imediatamente após o voto de Webber, Luís Roberto Barroso solicitou mais tempo para analisar o assunto, pelo que o julgamento, iniciado pelo STF em 2017, estava paralisado desde então.
Na sexta-feira, Barroso solicitou ao atual presidente do STF, Edson Fachin, o regresso do caso à agenda de votações numa sessão virtual extraordinária que começou na noite de sexta-feira e estava programada para se estender até segunda-feira.
A votação, no entanto, foi novamente interrompida porque, após a decisão de Barroso, o juiz Gilmar Mendes, que seria o terceiro a votar, solicitou que o assunto fosse discutido em sessão plenária presencial, ainda sem data definida.
Barroso, que surpreendeu o Brasil na semana passada ao anunciar a decisão de se reformar antecipadamente após 12 anos como membro do STF, afirmou no seu voto que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública e não de direito penal.
“Ninguém é a favor do aborto em si. O papel do Estado e da sociedade é impedir que ele ocorra, oferecendo educação sexual e distribuindo contracetivos, além de proteger as mulheres que desejam ter um filho e se encontram em circunstâncias adversas”, argumentou.
O juiz acrescentou que a discussão não se trata de ser a favor ou contra o aborto, mas sim de definir se uma mulher que vive tal infortúnio deve ser presa ou não.
Para Barroso, a criminalização do aborto acaba por punir especialmente as raparigas e mulheres pobres que não conseguem aceder ao sistema público de saúde para obter informações, medicamentos ou procedimentos contracetivos adequados.
“As pessoas com melhores condições financeiras podem atravessar a fronteira para o Uruguai ou para a Colômbia, ou viajar para a Europa para se socorrerem de recursos a que as classes alta e média têm acesso”, disse.
Barroso crescentou que nenhum país democrático e desenvolvido do mundo adota como política pública a criminalização do aborto nas primeiras semanas de gestação.
O juiz aproveitou a oportunidade para, noutro acórdão relacionado, votar a favor da autorização para as enfermeiras prestarem assistência na realização de abortos em casos permitidos por lei, sem serem penalizadas pela prática.
Atualmente, a legislação brasileira só permite o aborto quando a gravidez resulta de uma violação, quando se comprova a existência de uma malformação do cérebro do feto ou quando representa um risco para a vida da mãe.
Em todos os outros casos, a interrupção da gravidez é criminalizada pelo Código Penal e prevê penas para mulheres e médicos que realizarem abortos.
Poucos hospitais oferecem procedimentos de aborto em casos legais e as mulheres que tentam, principalmente menores que foram violadas, enfrentam pressão de grupos religiosos.
As organizações feministas denunciam também as contínuas tentativas de legisladores ligados a igrejas evangélicas de proibir o aborto em todas as circunstâncias no Brasil e de restringir os direitos reprodutivos das mulheres.
O Senado, a câmara alta do parlamento do Brasil, está a discutir uma proposta que iria proibir o aborto após as 22 semanas de gestação, mesmo nos casos atualmente permitidos.
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