INVESTIGAÇÃO MOSTRA COMO SISTEMA IMUNITÁRIO PROTEGE FETO DE INFEÇÕES

Redação, 20 ago 2020 (Lusa) — Investigadores da Universidade de Harvard, Estados Unidos, descobriram como durante a gravidez o sistema imunitário protege o feto de infeções sem destruir as células infetadas, algo nunca antes observado.

De acordo com os resultados da investigação, anunciados num artigo hoje publicado na revista científica “Cell”, cuja primeira autora é a portuguesa Ângela Crespo, é possível eliminar infeções sem afetar o desenvolvimento fetal.

No processo estão em causa as células “natural killer”, ou exterminadoras naturais – que são conhecidas há décadas e que têm como função matar células infetadas – e uma proteína antibacteriana chamada granulisina.

Ângela Crespo, em declarações à Agência Lusa, lembrou que as células “natural killer”, que estão presentes em todo o corpo, normalmente o que fazem é eliminar células “em stress”, como as células cancerígenas, através de proteínas tóxicas, mas numa gravidez normal células com proteínas tóxicas não são destruídas (o que colocaria em risco a vida do feto) porque essas células “são reguladas de maneira diferente”, e são mesmo “células que estão lá para ajudar”.

“O que descobrimos é que essas células que vivem no útero, além das proteínas tóxicas têm níveis elevados da proteína granulisina. Quisemos ver se tinham capacidade para eliminar infeções bacterianas e o que esperávamos é que elas, ao detetarem a célula da placenta infetada, eliminassem essa célula da placenta. O que nos surpreendeu foi que elas só transferiram (para a célula infetada) a proteína antibacteriana e não outras proteínas que matariam a célula”, explicou a investigadora.

Para já, “tentar usar granulisina numa infeção bacteriana é preliminar”, mas a investigação ajuda a compreender melhor o funcionamento do sistema imunitário na gravidez, disse Ângela Crespo, quando questionada sobre como poderia a descoberta ajudar na luta contra doenças, em termos gerais.

Na gravidez, acrescentou, há muitas vezes infeções que não são detetadas e “perceber como está envolvido o sistema imunitário é importante”, sendo que aprofundando o estudo poderá ser possível perceber como eliminar infeções congénitas antes que estas “criem problemas”, afirmou.

Durante a gravidez o feto é um organismo semi-incompatível com o sistema imunitário materno, uma vez que metade dos genes provêm do pai (como se fosse um transplante). A investigação, segundo uma nota divulgada a propósito da publicação de hoje, quis perceber como consegue a mãe tolerar a presença de um feto e ao mesmo tempo manter a imunidade contra infeções.

Essas infeções, lembra-se no documento, se não forem controladas, podem causar atrasos no desenvolvimento, anomalias congénitas ou mesmo o aborto espontâneo.

“Demonstrámos que as células ´natural killer´ da decídua humana (zona onde a placenta invade o útero), que são as células imunitárias do útero mais abundantes durante o primeiro trimestre da gravidez, têm a capacidade de eliminar infeções bacterianas dentro de células da placenta, sem matar essas mesmas células”, e fazem-no formando um pequeno tubo entre si e a célula da placenta, injetando assim a granulisina na célula infetada, explicam os investigadores.

E frisam que esse mecanismo imunológico de eliminar uma infeção intracelular sem matar a célula infetada “nunca tinha sido observado antes” e que é isso que permite ao sistema imunitário manter a tolerância ao feto ao mesmo tempo que o protege de infeções.

O trabalho de investigação envolveu o uso de células humanas mas também foram feitas experiências com ratos, que não possuem granulisina naturalmente mas que se for usado um modelo (transgénico) que a tenha é menor a probabilidade de abortos espontâneos, disse Ângela Crespo.

Nos Estados Unidos desde 2010, a investigadora estudou biologia molecular na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, fez investigação em Portugal e escolheu para doutoramento a questão da tolerância da grávida a um feto que lhe é metade estranho, tendo estudado em Coimbra, de onde rumou a Harvard, nos Estados Unidos.

Depois do doutoramento em Harvard está agora a acabar o pós-doutoramento no “Boston Children’s Hospital, Harvard Medical School”, e gostava de no futuro trabalhar para a indústria, como disse à Lusa.

Para já está a trabalhar na investigação do novo coronavírus, que provoca a doença covid-19.

 

FP // JMR

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