Dez anos depois de foto de menino afogado numa praia Europa conta 30 mil mortes no Mediterrâneo

Redação, 06 set 2025 (Lusa) — A fotografia de um menino de 02 anos afogado numa praia turca quando a família tentava chegar à Europa marcou, em 2015, o início do debate sobre a obrigação moral de a Europa acolher refugiados.

Dez anos depois, o número de mortos e desaparecidos no Mediterrâneo chega aos 30 mil, vários países decidiram passar os processos legais de avaliação de refugiados e requerentes de asilo para países terceiros, a fim de evitar que cheguem à Europa, e a rejeição de migrantes passou a ser bandeira de vários governos.

As mortes já decorriam há meses quando a fotografia de Alan (ou Aylan) Kurdi, tirada pela fotógrafa turca Nilufer Demir, repórter da agência de notícias turca DHA, chocou a opinião pública europeia.

Foi publicada a 02 de setembro, fez esta semana 10 anos, e tornou-se viral no mundo: um menino de O2 anos morto, prostrado de cabeça para baixo numa praia da costa turca.

Tinha morrido afogado durante uma tentativa de atravessar, num barco insuflável frágil e sobrelotado, da Turquia para a Grécia.

O mesmo aconteceu a centenas de outros refugiados e migrantes na mesma rota nesse ano. O ano 2015 marcou o auge de um fluxo migratório sem precedentes, que expôs as deficiências do sistema de asilo da UE e a falta de coordenação entre os Estados-membros.

Nesse ano, com uma fuga crescente de sírios da crise no país, a Europa recebeu mais de um milhão de refugiados e migrantes e foram detetadas mais de 2,3 milhões de travessias irregulares nesse ano e no seguinte.

A publicação desta fotografia também gerou um debate sobre a questão ética, por a imagem mostrar uma criança morta, mas esta controvérsia foi rapidamente amenizada quando o pai de Alan, Abdullah Kurdi, apoiou a publicação em entrevistas subsequentes.

“Quero que o mundo inteiro nos veja. Quero que o mundo inteiro nos veja. Estamos a passar por uma tragédia e não quero que aqueles que vêm depois de nós passem pelo mesmo”, disse Kurdi na altura, avançou esta semana a agência de notícias oficial turca Anadolu.

Abdullah Kurdi foi um dos poucos sobreviventes do naufrágio do bote insuflável, que também provocou a morte da mulher e de outro filho do casal.

O debate político levou, seis meses depois, a um acordo entre a UE e a Turquia, mediante o qual Bruxelas transferiria seis mil milhões de euros para Ancara nos anos seguintes para melhorar os cuidados aos refugiados sírios no país.

Além disso, o acordo previa a deportação para a Turquia dos refugiados que tinham chegado às ilhas gregas.

O financiamento europeu ajudou a melhorar as condições de vida dos três milhões de sírios registados na Turquia, que desde 2013 tinham acesso gratuito à saúde pública e à educação primária e podiam trabalhar semilegalmente — condições muito melhores do que aquelas que os aguardavam nos campos gregos e ao longo da rota dos Balcãs.

Esta foi a primeira externalização do processo pela Europa, mas vários se seguiram, nomeadamente o mais recente, que prevê a transferência de migrantes chegados a Itália através do Mediterrâneo para centros de repatriamento construídos na Albânia.

A concretização deste acordo tem sido impedida pelos tribunais italianos, mas o projeto “conquistou” a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que defendeu que a UE devia considerar legislar sobre “centros de retorno” em países terceiros para acelerar as expulsões de imigrantes ilegais.

A posição dos Estados europeus sobre migração, que na última década passaram de considerar o acolhimento de refugiados como dever moral para um endurecimento da política de migrações que pretende afugentar e expulsar os ilegais, foi fortemente criticada esta semana pela organização não-governamental de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional (AI).

“A Europa continua a falhar com aqueles que procuram proteção”, acusou a AI, sublinhando, em comunicado, que os Estados “estão a renunciar cada vez mais aos valores fundamentais: dignidade humana, liberdade, igualdade e direitos humanos”.

Na última década, a UE e os Estados-membros “persistiram nos planos de externalizar as responsabilidades de asilo, apesar das condenações e das violações de direitos humanos que isso acarreta”, criticou.

“Dar prioridade a políticas de externalização e controlo das fronteiras só causa mais sofrimento e mortes. A solução está em colocar as pessoas no centro das preocupações e garantir que os Estados assumem a responsabilidade de lidar com as causas das deslocações forçadas, como as alterações climáticas”, defendeu a AI.

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