
Luanda, 15 jun 2025 (Lusa) — Cerca de 300 mil comerciantes oriundos de países do oeste de África encontram-se em situação de vulnerabilidade em Angola e sujeitos a todo o tipo de exploração, apelando a associação que os representa ao apoio das autoridades angolanas para se legalizarem.
Em Angola, estes comerciantes lideram pequenos negócios, incluindo as populares lojas de conveniência, conhecidas localmente como “cantinas dos Mamadus”, numa alusão à sua crença muçulmana, e onde podem ser adquiridos vários bens de uso quotidiano e de primeira necessidade, desde alimentos a produtos de higiene e limpeza, a baixo preço.
Tounkara Mohamed Saidou, da Guiné-Conacri, é um deles e explicou à Lusa como a informalidade destes negócios e a ausência de regulação agravam a vulnerabilidade da comunidade e dificultam a sua integração no tecido económico formal angolano.
O comerciante vive desde 2005 em Angola e é atualmente presidente da Associação dos Comerciantes Oeste Africanos, que congrega representantes de 15 países, e da Associação para o Desenvolvimento dos Jovens Angolanos e Estrangeiros.
Segundo Tounkara Saidou, a associação tem vindo a agrupar, desde 2007, profissionais em carpintaria, serralharia e culinária para dar formação gratuita a jovens nacionais e estrangeiros, no intuito de “ajudar o Governo angolano a combater a delinquência e o desemprego”.
A situação migratória ilegal é a principal preocupação desta comunidade, avançou Tounkara Saidou, frisando que existem pessoas há mais de 15 ou 20 anos em Angola sem conseguirem legalizar-se, como é o seu caso.
“São pessoas que não cometeram crimes, estão aqui a trabalhar, criaram famílias, a maioria chegou cá com um visto”, salientou, explicando que muitos se tornaram ilegais pelas dificuldades que enfrentaram para se legalizarem, outros por não saberem como proceder, sofrendo extorsões.
Face a este quadro, o simples ato de abrir uma conta bancária ou comprar um cartão SIM para comunicações móveis fica dificultado, devido à falta de documentação, sendo muitos obrigados a guardar o dinheiro em casa, sujeitos a assaltos, ou a contar com o auxílio de um cidadão angolano para comprar o ‘chip’ de telemóvel.
Com o propósito de ultrapassar a situação, a associação avança com uma proposta para realizar um cadastramento geral, a nível nacional, prevendo-se o registo de mais de 300 mil cidadãos oeste africanos ligados ao comércio.
De acordo com o responsável, a ilegalidade acarreta vários perigos para as pessoas que vivem sem documentação e sem que as autoridades tenham conhecimento da sua existência, afetando direitos básicos, por exemplo, o da educação, deixando as crianças fora do sistema de ensino.
“A minha filha tem 12 anos, a irmã tem 14 anos, nunca frequentaram uma escola pública. A solução é contratar alguém, um professor, que vem três vezes por semana a casa para dar aulas, mas não é isso que queremos, isso não pode continuar assim”, referiu.
Além da legalização, a associação defende que estes cidadãos, maioritariamente comerciantes, podem contribuir para o crescimento da economia angolana, pagando impostos.
“Em janeiro, começámos a fazer o registo e conseguimos tratar mais de 140 NIF [Número de Identificação Fiscal] para os comerciantes e, dentro deste grupo, alguns já começaram a pagar voluntariamente os seus impostos”, disse, reforçando que “o foco principal é controlar todos os comerciantes, pagar impostos e os sensibilizar para não violarem as leis do país”.
A falta de apoio material tem, no entanto, travado o andamento do processo de cadastramento, contou Tounkara Saidou, que é dono de uma pequena cantina no município de Viana, frisando que, só em Luanda, está previsto o registo de 100 mil “cantineiros”.
“Esse projeto é muito importante, porque – imaginemos – cada um deles consiga pagar 20 mil ou 40 mil kwanzas (18,8 ou 37,7 euros) mensais de impostos, [multiplicando] por 300 mil comerciantes, dá para apoiar a nossa economia”, enfatizou.
O responsável sublinhou que, apesar de pequenos, estes negócios criam empregos e ajudam a pagar o arrendamento das suas habitações e lojas.
“Um ‘mamadu’ sozinho dá emprego a quatro jovens, paga a renda onde dorme, paga luz, água, e na cantina tem trabalhadores”, desabafou, reiterando a necessidade de estar legal para investir mais e promover mais empregos.
*** Nisa Mendes (texto), Marcos Focosso (vídeo) e Ampe Rogério(fotos), da agência Lusa ***
NME // MLL
Lusa/fim