
Santiago do Chile, 13 dez 2025 (Lusa) — As eleições no Chile têm a Segurança e a Imigração como principais eixos de um debate no qual os imigrantes são acusados pelo aumento da violência no país, tendo os venezuelanos como alvo de ataques e vítimas de xenofobia.
“No Chile, infelizmente, a imigração cruzou-se com o crime organizado. O Chile tem sido um país recetor de imigrantes, sobretudo venezuelanos. No desespero por saírem dos seus países, esses imigrantes, muitas vezes, encontraram grupos criminosos que exploram o negócio do tráfico de drogas e de pessoas. Ao surgirem crimes, com os quais os chilenos não estão acostumados, aparecem estrangeiros envolvidos e sempre algum venezuelano. Isso tem gerado, infelizmente, uma situação de tensão social no país”, explica à Lusa a especialista em crime organizado, Pilar Lizana, uma referência no Chile.
O venezuelano Isnelvi Narváez, de 40 anos, está no olho do furacão político desta campanha eleitoral no Chile. Este imigrante irregular é o principal alvo da extrema-direita na sua estratégia para chegar ao poder com duas bandeiras principais: Segurança Pública e Imigração, sendo os imigrantes, principalmente os venezuelanos, acusados da insegurança.
Isnelvi chegou ao Chile, em 2021, entrando no país por uma passagem clandestina. As fronteiras chilenas estavam fechadas devido à pandemia, mas prevaleceu a urgência de Isnelvi, com dois filhos e esposa, depois de vender tudo para fugir da ditadura de Nicolás Maduro.
“Mas agora vivo numa situação de muita angústia, incerteza e preocupação, a tal ponto que, como hipertenso, precisei ser internado. O discurso de ódio começou em meados do ano e tem-se intensificado à medida que avança o processo eleitoral. Todos os dias somos ameaçados de sermos expulsos”, desabafa Isnelvi à Lusa.
O Chile tem cerca de 1,8 milhão de estrangeiros, dos quais metade são venezuelanos. Cerca de 334 mil imigrantes estão situação ilegal, a maioria venezuelanos.
Quem tem mais hipóteses de ganhar o pleito deste domingo é a extrema-direita de José Antonio Kast, de 59 anos, do Partido Republicano, na sua terceira tentativa de chegar à Presidência.
O candidato baseou a sua campanha na agenda da “lei e da ordem” em sintonia com a demanda popular por segurança pública. Para isso, promete “mão-dura” contra os 334 mil irregulares, além de militarizar as fronteiras com a Bolívia e com o Peru, por onde entram os ilegais.
Nesta reta final da campanha, Kast abriu uma contagem regressiva até 11 de março, quando começa o novo mandato presidencial.
Diz que faltam dias para os estrangeiros irregulares serem expulsos do país ou para se retirarem voluntariamente antes de serem presos e deportados por mais que tenham filhos chilenos e que aqueles que tentarem usar os serviços públicos, serão detidos.
“Esse candidato ameaça-nos, dizendo que nos vai expulsar apenas com o que tivermos no corpo. Estou de acordo que expulsem as pessoas que cometam delitos e as que façam mal ao país, mas não aquelas que têm filhos a estudar e que estão a contribuir, pagando impostos”, pondera Isnelvi, quem trabalha como jardineiro, padeiro e entregador.
Os filhos de 19 e de 12 anos de idade foram regularizados, graças a uma política de proteção aos menores. O casal continua irregular por mais que faça esforços de legalização.
Em 2023, o Governo abriu um cadastro biométrico voluntário para identificar os ilegais e descartar antecedentes penais.
Das 334 mil pessoas irregulares, cerca de 182 mil foram identificadas, mas não regularizadas, como Isnelvi. Receberam um NIF provisório, mas ficaram num limbo quanto aos benefícios sociais.
“Pagamos, mas não recebemos. Temos o ónus, mas não o bónus do Estado. Se formos presos e expulsos, o que vai acontecer com os nossos filhos? A minha maior preocupação é com a minha família”, aflige-se.
No Chile, os imigrantes legais podem votar. Há quatro anos, os imigrantes venezuelanos votaram em Kast para evitar que a esquerda de Gabriel Boric ganhasse; o que acabou por acontecer. Não queriam que o Chile passasse pelo mesmo processo da Venezuela. Hoje, os ataques vêm justamente da extrema-direita que antes defendiam.
Nesta segunda volta, entre a extrema-direita de Kast e a comunista Jeannette Jara, com dificuldades para classificar o regime de Nicolás Maduro como uma ditadura, os venezuelanos ficaram sem opções.
“Ao definir todos os imigrantes ilegais como delinquentes, Kast perdeu o voto dos venezuelanos porque, por mais legal que esse eleitor esteja, tem amigos e parentes ilegais. Eu mesmo estou indeciso e penso em votar nulo porque não quero contribuir para o que pode acontecer aqui se Kast ganhar”, indica à Lusa o contador venezuelano Elvis Herrera, de 54 anos.
Elvis está no Chile desde 2016, mas, ao contrário de Isnelvi, atravessou a fronteira de forma regular e está legalizado. Não corre risco de expulsão, mas teme as consequências do discurso de ódio que terminam por envolver todos os venezuelanos.
“No começo, eu justificava esse discurso porque, evidentemente, há uma imigração venezuelana que veio fazer coisas com as quais os chilenos não estavam acostumados. Porém, muitos venezuelanos, mesmo os irregulares, não vieram ao Chile para ser delinquente. Talvez não tenham entrado no país pelas vias legais, mas não são criminosos. Os políticos tomaram a Venezuela e os venezuelanos como bandeira para a campanha política”, reflete Elvis.
Legais ou ilegais, a consequência imediata dos venezuelanos como alvo da campanha política é o preconceito ao ponto da xenofobia.
“Agora, por situações quotidianas, num mercado ou no trânsito, por exemplo, dizem-nos que falta pouco para sermos expulsos ou que voltemos para o nosso país. Até no colégio, os coleguinhas da minha filha de 12 anos disseram-lhe que já falta pouco para ela ir embora. Os insultos e as ofensas tornaram-se comuns”, lamenta Isnelvi.
“Presenciei uma pessoa a humilhar outra, pensando que era venezuelana, mas era colombiana. Tenho visto episódios de xenofobia com pessoas a gritarem ‘malditos venezuelanos, vão embora para o seu país’. Depois de dez anos no Chile, nunca tinha acontecido de pensar em ir embora. Eu sinto e gosto do Chile, mas, mesmo gostando, comecei a pensar em ir embora”, conclui Elvis Herrera.
MYR // EA
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