
Maputo, 17 nov 2025 (Lusa) – A transformação da Vila Algarve, que serviu como prisão da PIDE no período colonial, em Maputo, num museu-hotel vai “imortalizar” a história do povo moçambicano, disse à Lusa o Diretor Nacional de História do Ministério dos Combatentes.
“Aquele edifício é um símbolo de luta dos moçambicanos. Naquele edifício foram presos, foram torturados, até assassinados, os moçambicanos que reclamavam pela liberdade contra o regime colonial português”, começou por explicar Guilherme Ombe, em entrevista à Lusa, em Maputo.
Segundo o diretor, a requalificação prevista por aquele ministério moçambicano para o edifício, em avançado estado de degradação, no número 10 do cruzamento das avenidas dos Mártires de Machava e Ahmed Sekou Touré, centro de Maputo, vai perpetuar esta parte da história do país, através de uma parceria público-privada, autorizada pelo Governo.
Atualmente, todas as entradas da vivenda construída em 1934 no coração de Maputo, ampliada em 1950 e hoje classificada como Imóvel de Interesse Arquitetónico, estão entaipadas e protegem o interior da ocupação por pessoas em situação de sem-abrigo, como já aconteceu em anos anteriores.
“Esta obra de restauro e requalificação visa imortalizar esta história do povo moçambicano, visa preservar e trazer ao conhecimento das gerações atuais e futuras daquilo que significou aquele edifício”, afirmou o Diretor Nacional de História do Ministério dos Combatentes.
Ombe assinalou que o edifício que ainda existe será restaurado e transformado em museu, e por cima serão montados os serviços hoteleiros: “o investidor depois vai apresentar-nos um projeto executivo de como ele pensa fazer este restauro, esta requalificação em museu-hotel”.
Da imponente vivenda no centro de Maputo, decorada por extensos mosaicos com motivos naturalistas, sobram hoje pouco mais do que paredes, tetos e telhados, mas também histórias sombrias do período colonial, quando a PIDE a confiscou, passando a usá-la como local de tortura de então combatentes pela independência moçambicana.
Histórias como as que o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003) retrata nos seus poemas “Não sei se é uma medalha”, de 1967, e nas duas versões de “Vila Algarve”, de 1988 e de 1998, sobre o período em que ali esteve detido, com passagem pelo interrogatório da PIDE.
O objetivo agora é manter todas as caraterísticas e traças do edifício, cabendo ao investidor privado devolvê-lo à forma original, frisou Guilherme Ombe.
“Depois de apresentar este projeto e assinar um contrato por um determinado período, ele vai explorar o edifício museu-hotel durante algum tempo, pode ser 25 anos, pode ser 30 anos, vai depender do acordo que o ministério vai firmar com o investidor”, detalhou.
Acrescentou que serão montados todos os serviços museológicos no edifício, prevendo a exposição “até com artefactos que foram usados pela PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado] na tortura de moçambicanos” naquele local.
“Haverá lá uma sala de exposição, a ser visitada por nacionais e estrangeiros, terá este atrativo, além dos próprios serviços hoteleiros que vão atrair visitantes. Os hóspedes vão aproveitar vir ao museu e aproveitar os serviços hoteleiros no mesmo edifício”, descreveu, acrescentado que esta ação vai preservar e valorizar a história do país, ao mesmo tempo que transforma o local num ativo económico, “que vai empregar pessoas e vai produzir receita para o Estado”.
Segundo Guilherme Ombe, decorre agora o processo de finalização do projeto executado pela empresa Giluba-Lin, que venceu o concurso de adjudicação para “elaboração, requalificação do edifício e exploração de atividade museu-hotel do edifício denominado por Vila Algarve”, conforme noticiado em outubro pela Lusa.
“Depois de submeter este projeto executivo, é quando depois se vai acertar o lançamento das próprias obras. E aí é onde ele vai também comprometer-se no contrato que vai realizar esta obra durante tanto tempo”, explicou, frisando, contudo, que em princípio o projeto será submetido ao Governo até 30 de dezembro.
Em 25 de junho de 1975, Moçambique proclamou a sua independência, mas nos anos seguintes o abandono, a degradação e os ‘fantasmas’ em torno do que ali se passou, pela ação da PIDE, tomaram conta da Vila Algarve e até a Ordem dos Advogados de Moçambique tentou, sem sucesso, em 2008, fazer do espaço a sua sede.
Património do Estado, já foi equacionado em 2011 ali instalar o futuro Museu da Luta de Libertação, mas como todos os outros projetos, não avançou.
Mesmo Joaquim Chissano, Presidente moçambicano de 1986 a 2005, tentou, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, no primeiro do Governo do novo país, colocar ali aquele ministério.
“Tentei utilizar a Vila Algarve. Não fui bem compreendido. E, então, depois passaram outras entidades que queriam utilizar a Vila Algarve, e o intuito era preservar o lugar. No meu tempo, era para fazer daquilo um ambiente de paz, de solidariedade, ou o próprio ministério. Como não tínhamos casas adequadas na altura, era uma maneira de preservar”, recordou em junho, à Lusa, o antigo Presidente da Republica.
“E sempre quis que também os combatentes da Luta de Libertação Nacional estivessem lá, como sua sede. Não conseguimos, por várias interpretações. Oxalá que haja alguém que consiga realmente restaurar e preservar esta peça histórica muito importante”, desabafou então Chissano.
*** Serviços áudio e vídeo disponíveis em www.lusa.pt ***
*** Lina Cebola (texto) e Fernando Cumaio (vídeo), da agência Lusa ***
LCE (PVJ) // VM
Lusa/Fim
