
Lisboa, 25 out 2025 (Lusa) — O músico Miguel Araújo celebra na próxima semana, com uma série de concertos no Porto e em Lisboa, 20 anos de uma carreira que começou de forma “displicente” e acabou por tornar-se um caso sério.
Com lotação esgotada, os espetáculos acontecem na terça, quarta e quinta-feira no Porto, na Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, e no dia 01 de novembro em Lisboa, na Meo Arena.
Em entrevista à agência Lusa, Miguel Araújo revelou que o alinhamento irá incluir temas “dos primórdios” da sua carreira, do tempo em que fazia parte d’Os Azeitonas, até ao EP que editou este mês, “Cê Barra”, que inclui quatro duetos com os quatro convidados dos espetáculos: Rui Veloso, António Zambujo, João Só e Os Quatro e Meia.
Os quatro convidados são aqueles com quem, ao longo de 20 anos de parcerias com muita gente, Miguel Araújo ficou “com uma amizade e uma cumplicidade artística e pessoal muito fortes”.
A amizade com António Zambujo começou “antes das carreiras musicais” de ambos. “Vamos sempre acompanhando o que se passa um com o outro. O mesmo com o João Só”, partilhou.
Já Rui Veloso, além de “grande influência” de Miguel Araújo, foi a pessoa “que investiu em primeiro lugar n’Os Azeitonas”. Os “amigos mais recentes”, Os Quatro e Meia, já apareceram em 2013, um ano depois de Miguel Araújo ter iniciado a carreira a solo.
Foi “no auge do percurso com Os Azeitonas”, que Miguel Araújo decidiu gravar e editar o álbum “Cinco dias e meio”, “por uma questão de purga”, para dar vida às muitas músicas que tinha “paradas na gaveta” e não iam para o repertório da banda.
“Quando fiz o meu disco, não pensei que fosse ter um concerto sequer, tanto que não fiz banda. Isso prova o quão confiante estava na minha carreira a solo”, referiu.
Um dos temas do álbum, “Os maridos das outras”, trocou-lhe as voltas.
“De repente apareceu uma música a passar muito na rádio e apareceu um concerto, em Rio de Mouro [concelho de Sintra], que foi o meu primeiro. Tive que ir a correr arranjar uma banda de músicos para me acompanharem”, recordou.
Assumir um papel de destaque em palco era algo para o qual Miguel Araújo não estava “mesmo” preparado.
“Nesses primeiros concertos, em 2012, eu tocava sentado. Tremia tanto das pernas que não conseguia estar em pé a cantar”, partilhou.
Além disso, não gostava de cantar, culpa de uma sinusite crónica que, ao fim de algum tempo a cantar lhe dava “dores de cabeça horrorosas”. Tanto que, para Miguel Araújo, cantar “era uma tortura”. Nada que duas operações ao nariz não resolvessem. Depois disso, começou a “ganhar gosto em cantar” e hoje até adora fazê-lo.
“É uma coisa que hoje em dia associo a um prazer. Poder acabar um concerto com a voz porreira e sem o nariz entupido é um prazer”, disse.
Ainda assim, Miguel Araújo não consegue ouvir os primeiros dois álbuns que gravou a solo. “Porque a minha voz ainda soa à fase em que vivia com as sinusites. Cantava mal. Sem nariz não se canta bem”, disse.
A solo as coisas foram acontecendo e crescendo, tanto que a dada altura tornou-se incompatível continuar n’Os Azeitonas e Miguel Araújo acabou por deixar a banda em 2016.
Esse foi o ano em que, com António Zambujo, esgotou a lotação do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em 15 noites, e a do Coliseu do Porto, em 13.
Nesses espetáculos, Miguel Araújo foi perdendo os nervos de palco, algo que “passou também pela convivência com o próprio Zambujo, que é uma pessoa muito calma e com uma atitude muito ‘zen’ perante o palco, perante a música e perante tudo”.
“Fui ganhando bastante à vontade e descontração, muito graças à convivência com ele. Desse ano em diante, os nervos foram passando ao ponto de hoje em dia já não ter ponta de nervos antes de ir para palco, seja em que sala for”, partilhou.
As 28 noites ao vivo nos coliseus deram origem a um álbum, editado em 2018, e em 2023 os dois voltariam a juntar-se para mais concertos: na MEO Arena, na Super Bock Arena e no Coliseu Micaelense, em São Miguel, nos Açores.
Esgotar tantas salas era algo que Miguel Araújo não conseguia projetar quando começou: “Não podia imaginar tal coisa”.
É no início da carreira, ainda n’Os Azeitonas, que estão as músicas que criou nas quais menos se reconhece. “Todas do primeiro disco d’Os Azeitonas, porque aquilo foi feito muito no gozo e era uma coisa muito displicente. Tem uma ou outra porreira, mas a maior parte são músicas anedóticas, que já não têm nada que ver com aquilo que eu depois comecei a fazer”, referiu, desafiado pela Lusa a escolher as suas ‘piores músicas’.
Como melhor escolhe “Recantiga”, canção que integra o álbum “Crónicas da Cidade Grande”, editado em 2014. “Por acaso saiu-me melodia e harmonia, a parte musical, com algum engenho, e a letra também. Essa é a que eu acho que está melhor, mas não é a que eu mais gosto, essa é talvez a ‘Valsa Redonda’ [também de ‘Crónicas da Cidade Grande]”, referiu.
Miguel Araújo compõe também para outros músicos. É dele a autoria, por exemplo, de “Pica do 7”, de António Zambujo, “Ventura”, de Carminho, “Ciúme”, de Ana Bacalhau, e “A cara dela”, de Luís Trigacheiro com Salvador Sobral.
Fazer músicas para outros cantarem “é das grandes alegrias” que tem enquanto autor.
“É o mais parecido que tenho de poder gostar de uma música minha. Ouvir uma música minha com a minha voz dá-me uma proximidade excessiva que me impede em absoluto de apreciar a música”, afirmou.
Dos vários álbuns que editou a solo, entre originais e ao vivo, a maioria saiu em edição de autor, algo que faz sentido para alguém que gosta “das partes todas que envolvem a música, até das partes burocráticas”.
“Mas não estou completamente sozinho, tenho uma equipa que me ajuda. No meu caso, não faria sentido de outra maneira, não só porque gosto dessas coisas todas, mas também porque sou um bocadinho ‘control freak’ e até faço questão de estar envolvido em tudo. Mas também tenho alguns luxos que me permitem: tenho estúdio em casa”, disse.
Embora continue a “encontrar mérito em editoras e agências”, Miguel Araújo considera que está melhor assim, “sozinho”.
Quando vai para estúdio, vai pegando em algumas das centenas de músicas que tem por acabar. “Às vezes encontro músicas praticamente acabadas que já não me lembrava que existiam. Aquelas que mais me interessam são as que vou trabalhando, e depois ao fim de uns tempos reparo que tenho ali uma coerência”, contou.
Em janeiro chega um novo grupo de canções, no álbum “Por fora ninguém diria”, que “já está completamente finalizado, masterizado, capa, tudo”.
Sobre o novo trabalho, revelou que, tal como noutros, não o começou como quem planeia gravar um disco. “Fui sempre fazendo o meu trabalho diário, e um belo dia no ano passado reparei que tinha ali um disco. Havia ali umas onze ou doze músicas que tinham uma certa coerência estética, narrativa, e decidi ‘embrulhá-las’ num disco”, explicou.
Embora já estejam prontas, as músicas novas não irão fazer parte do alinhamento dos concertos de celebração dos 20 anos de carreira. Ficam guardadas para outros espetáculos em 2026.
*** Serviço áudio disponível em www.lusa.pt ***
*** Joana Ramos Simões, da agência Lusa ***
JRS // MAG
Lusa/Fim
