Solução militar não resolve o problema de Cabo Delgado

Lisboa, 13 set 2025 (Lusa) — O presidente da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM) considera que os ataques terroristas em Cabo Delgado não têm uma solução militar e que é necessário resolver as “razões profundas” do mal-estar das populações.

Em declarações à Lusa no final do XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos, que decorreu em Lisboa, Inácio Saure disse não acreditar numa solução militar para o problema que, no seu entender, não se pode resumir ao radicalismo islâmico.

“Não gosto muito de falar só [de] radicalismo religioso, porque, para mim, é preciso identificar bem as causas profundas desta guerra, deste sofrimento e destas matanças todas”, afirmou, considerando que tratar os ataques de extremistas como um “problema religioso é um pouco reducionista”.

“Eu não acredito na solução militar” e “é preciso, absolutamente, pensar noutra solução, porque a via militar só vai matar, há muita gente a morrer, há muitas decapitações e a guerra não acaba”, disse.

Por isso, no seu entender, “é preciso atacar a causa desta guerra, atacar as causas desta miséria, todo este mal-estar”, pelo que é necessário resolver os problemas económicos e sociais das populações que não conseguem sobreviver.

Quando a União Europeia envia verbas para armas ou há apoio internacional de soldados é uma forma de “atacar o problema a partir das consequências”.

“Mas quais são as causas? Devem ser bem identificadas as causas e atacar o problema a partir das raízes”, acrescentou.

“Para se encontrar a solução definitiva deste problema, seria preciso dialogar e ajudar todas as partes envolvidas entre os moçambicanos, entre aqueles que fazem a guerra” e os que são vítimas, mas, até agora, “não vejo interesse real nessa solução”, salientou o também arcebispo de Nampula, uma província no norte do país, que recebeu milhares de deslocados internos vindos de Cabo Delgado.

Os papas têm referido Cabo Delgado nas suas orações, algo que tem sido bem acolhido pelos moçambicanos.

Isso “sente-se no terreno e isso nos conforta, porque isto significa que a Igreja Católica de Moçambique também não está sozinha no campo, vai em comunhão com a Igreja universal, com o Papa”, salientou Inácio Saure, que comentou também a possibilidade da beatificação da religiosa italiana Maria de Coppi, morta a tiro em setembro de 2022 por alegados terroristas que atacaram a missão de Chipene, em Moçambique.

Devido ao martírio que sofreu, a sua beatificação tem sido pedida por muitos fiéis, algo que o arcebispo de Nampula veria com bons olhos.

“No dia do seu funeral fui eu que presidi à eucaristia”, mas “não a conheci pessoalmente”, embora os relatos de próximos indiquem que a religiosa “deu toda a sua vida a Moçambique” e “diz-se que, muito provavelmente, conheceria os assassinos que a mataram”, por medo que ela os denunciasse, salientou o arcebispo, que teme que o ciclo de violência continue.

A crise social no país é transversal, como foram exemplo as manifestações, a violência e a repressão após as eleições de outubro de 2024, e este é um “mal-estar geral que não está resolvido”.

Recentemente, “foi iniciado o chamado diálogo político inclusivo, em que se diz que se vai escutar todos”, mas é necessário que “este diálogo seja verdadeiramente inclusivo e que nenhum moçambicano, nenhum grupo social, nenhum partido se sinta excluído”, avisou o líder da Igreja Católica moçambicana.

E deu o exemplo de Venâncio Mondlane, candidato presidencial derrotado cujos apoiantes protestaram durante semanas contra as autoridades, que deve ser integrado nesse processo: “O líder da oposição, o segundo mais votado à luz da lei, faz parte do Conselho de Estado. O que é que isto significa? Significa que, a partir disto, ele vai se conformar e depois deixará de, digamos, de lutar pela verdade?”

“Não sei o que isto vai dar”, respondeu Inácio Saure à sua própria pergunta.

O responsável da Igreja moçambicana lamentou também que o diálogo com o Estado esteja ainda pouco concretizado.

Durante anos, “tivemos uma certa guerra aberta contra a Igreja”, algo que hoje não sucede, mas o “contexto em que se vive ainda deixa muito a desejar”.

No passado recente, “foi assinado um acordo de princípio de relacionamento entre a Santa Sé e o Governo moçambicano, mas a implementação deste acordo ainda é uma realidade muito distante”, exemplificou o arcebispo.

A província de Cabo Delgado regista um recrudescimento de ataques de grupos rebeldes desde julho, tendo sido alvos os distritos de Chiúre, Muidumbe, Quissanga, Ancuabe, Meluco e mais recentemente Mocímboa da Praia.

Na segunda-feira, a Lusa noticiou também que pelo menos seis pessoas foram mortas e campos agrícolas saqueados durante um ataque de supostos terroristas, no distrito de Muidumbe, em 06 de setembro.

O Governo moçambicano lamentou na terça-feira os ataques terroristas registados nos últimos dias em Cabo Delgado, norte de Moçambique, referindo que é papel do Estado perseguir, retardar e travar os ataques para que a população tenha o “menos sofrimento possível”.

Nas conclusões do encontro dos bispos lusófonos, os presentes manifestaram a “profunda solidariedade e apoio para com o povo de Cabo Delgado, desde 2017 vítima de bárbaros atos de violência, destruição e morte”.

“Exortamos de novo a comunidade internacional a contribuir para uma efetiva situação de paz em Cabo Delgado, referiram os bispos lusófonos.

 

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