NA PRAÇA DOS CORREIOS DE LUANDA A REGRA É NÃO PERGUNTAR DE ONDE VÊM AS PEÇAS

LusaLuanda, 21 jul (Lusa) – Nos mercados informais de Luanda há de tudo à venda e alguns até se especializaram, como a praça dos Correios, com todo o tipo de peças para automóveis, novas e usadas, onde a regra é evitar perguntar a proveniência.

Trata-se do maior mercado informal de acessórios de automóvel de Angola, junto ao centro da capital, e impressiona pela dimensão, com dezenas de vendedores e todo o tipo de peças, desde jantes a motores.

Um negócio ameaçado pela proibição decretada pelo Governo, de venda de peças automóveis na rua ou mercados informais, precisamente para travar a onda de furtos a viaturas.

“Se nos tiram daqui é só para morrer. Não tenho mais nada para fazer, isto é trabalhar para sobreviver”, explicou à Lusa Alfredo Miguel, de 47 anos, que vende naquela praça molas e amortecedores para ligeiros.

As peças são usadas, garantindo que chegam de viaturas acidentadas. Ainda assim, sobre a proveniência concreta, diz que é uma pergunta que “não vale a pena fazer” e que quem ali compra também não faz.

“Cada coisa que aparece vem de um sítio, aparece com um objetivo. Nós só damos resposta que é na graça de Deus, na providência do Senhor, nosso criador”, conta.

Há 20 anos a trabalhar na praça dos Correios, até admite que a proibição de venda informal decidida esta semana pelo Governo pode ajudar a travar a delinquência, só não sabe é o que vai fazer quando chegarem os fiscais.

“O Governo saberá como vai fazer com o seu povo. Se nos deixa a padecer e morrer”, atira.

Nesta praça todos sabem ao que vão e sobre as peças usadas, a regra é não fazer muitas perguntas.

“Nós não temos a certeza”, explica Venâncio José, em conversa com a Lusa, sobre a origem das peças. Diz que são de viaturas acidentadas, que compra a empresários nigerianos, e pouco mais.

O negócio é sem faturas ou garantias e pode “passar o dia sem vender nada”. Ainda assim, admite, serve para “sustentar a família”.

Aos 32 anos, e com 10 anos a vender todo o tipo de peças naquela praça, confessa receio com o futuro, face à proibição.

“Vai-nos prejudicar. Onde vamos? Somos chefes de família. Nós vamos trabalhar onde o Governo disser que há trabalho”, observa.

Venâncio afirma compreender a preocupação, face à onda crescente de assaltos e roubos de viaturas, mas pede que qualquer medida seja acompanhada de apoios: “Se não quer que o filho trabalhe aqui, que mostrem onde pode o filho trabalhar”.

Noutro ponto da praça, improvisada com dezenas de bancas e uma enorme chapa para proteger do sol escaldante, Fernando Elias, 37 anos, “especializou-se” na venda de peças de motor, como segmentos, capas ou juntas.

“Vendemos o que nos convém, o que mais os clientes pedem”, explica.

Justifica que tudo o que vende é proveniente do Dubai: “Eu compro na mão daqueles que trazem a grosso”.

Contudo, o negócio já conheceu dias melhores, apesar da crise de peças que o mercado angolano vai enfrentando, devido aos problemas financeiros e cambiais no país, que dificultam as importações.

“Não posso falar aqui que tenho tido muitos clientes porque estaria a mentir. Há dias que é proveitoso e há dias que não”, confessa.

Garante que tudo o que vende é novo e que as perguntas dos clientes são poucas. “Há cliente que tem a curiosidade de fazer a pergunta e há clientes que vêm só para comprar e não fazem perguntas, sobre de onde vêm as peças”, diz.

Sobre o futuro, afirma simplesmente aguardar uma explicação sobre a anunciada proibição de venda na rua ou mercados informais.

“Gostaria de saber porquê”, atira Fernando.

Discos de embraiagem e prensas são a especialidade de Oliveira Cahombo, de 34 anos. Afirma que compra tudo no Dubai e que num “dia bom” é capaz de vender até 20.000 kwanzas (70 euros).

“Mas há dias em que não vendemos nada”, assume.

A decisão de autorizar a venda de peças para automóveis e motociclos apenas em empresas e oficiais autorizadas tornou-se o centro das conversas na praça dos Correios, e também da preocupação de Oliveira.

“Essa proibição será um grande defeito para nós. É daqui que sai o nosso pão de cada dia”, conta, angustiado.

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