FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO RESULTA DA “NECESSIDADE ENORME DE NÃO ADORMECER”

LusaRedação, 16 jul 2019 (Lusa) — O Festival Músicas do Mundo, que volta a Porto Covo, a partir de quinta-feira, e depois Sines, resulta da “necessidade enorme de não adormecer e de estar sempre alerta”, diz o programador Carlos Seixas.

Em conversa telefónica com a Lusa, o diretor artístico e de produção do Festival Músicas do Mundo (FMM) destaca que o ativismo é uma “marca” do evento, que já levou a Porto Covo e Sines artistas de 120 países e regiões.

“Um ativismo enorme, que também é a nossa marca, estar atento a tudo aquilo que neste momento nos preocupa, enquanto pertencentes aos humanos. […] Africanos, europeus, americanos, asiáticos, ou sei lá o quê… somos todos pessoas, somos todos iguais, queremos é ser felizes, mas com justiça, que é aquilo que cada vez há menos neste mundo”, observa Carlos Seixas.

Esta 21.ª edição, à semelhança das anteriores, resulta, por isso, de uma “necessidade enorme de não adormecer e de estar sempre alerta a todo os graves problemas que nós, enquanto mundo, atravessamos, com cenas lamentáveis em que o Ocidente tenta, de uma maneira pouco honesta e bastante hipócrita, dizer que é […] o dono disto tudo”, constata. “Chamar a atenção de um público jovem, atento, que nos exige que a luta continue”, acrescenta.

O racismo, as fronteiras, as migrações serão, por isso, os temas de fundo de mais uma edição do “mais cosmopolita de todos os festivais portugueses”, qualifica o programador. “Há uma certa singularidade que se mantém no festival de Sines. É um festival que traz uma diversidade enorme de grupos, culturas, sons e géneros. É um pouco uma ‘Meca’ do que se faz por aí, por esse mundo fora”, reflete.

“Estamos sempre atentos àquilo que se passa”, garante Carlos Seixas, realçando que, apesar de haver mais oferta e um acesso facilitado à informação, “mantêm-se alguns buracos negros”, que o FMM tenta “trazer para mostrar que existem”.

A 21.ª edição do FMM traz novidades: a passagem por Porto Covo foi reduzida a três dias (18, 19 e 20) e apostou-se em “mais diversidade e maior cuidado” nas iniciativas paralelas, com o regresso do ciclo de cinema e das conversas célebres do passado com músicos e escritores. Esta edição reforçará ainda a preocupação com o “movimento verde”, adiantou Carlos Seixas.

Quanto aos destaques de programação musical dos primeiros três dias, em Porto Covo, o programador refere o “concerto imperdível” de arranque, da gambiana Sona Jobarteh, “uma mulher no kora”, instrumento tipicamente tocado por homens. No mesmo dia 18, Carlos Seixas faz referência a JP Bimeni, do Burundi, com uma vida marcada pela guerra civil entre hutus e tutsis.

No dia seguinte, 19, o destaque vai para a brasileira Luedji Luna, que “é uma combatente na questão da mulher negra”, e para o nigeriano Keziah Jones, “um homem da luta” também, que se juntam a um invulgar quinteto de mulheres sul-coreanas (The Tune). No sábado, 20, The Wanton Bishops ajudam a desconstruir ideias feitas, tocando blues de Beirute, capital do Líbano.

Entre domingo e terça, acontecem os “dias simples e calmos” de Sines, nos quais Carlos Seixas destaca Tété e Sara Alhinho (dia 22), mãe e filha cabo-verdianas; Flávia Coelho (dia 22), “talvez das brasileiras mais europeias”; o encontro de Bruno Pernadas, Norberto Lobo e Marco Franco, com “um disco lindíssimo” (Montanhas Azuis, dia 23); a “artista emergente” Blu Samu (dia 23), que vive na Bélgica, mas tem raízes portuguesas e cabo-verdianas; e The Venopian Solitude (dia 23), da Malásia, grupo liderado por uma mulher de ‘hijab’ (véu islâmico), que toca música pop — produto de o programador andar “sempre à procura de alguém de um sítio diferente, que nunca tenha vindo”.

Na quarta-feira, que habitualmente marca a enchente crescente do festival, Carlos Seixas destaca, “sem sombra de dúvidas”, a belga Melanie de Biasio (dia 24) e, nas “horas proibitivas”, a banda ganesa Santrofi, que está a fazer a primeira digressão, “com um disco que ainda nem sequer saiu”.

A 25, porque é Dia Nacional da Galiza, a Banda das Crechas abre as hostes no Castelo. Nesse mesmo dia, os britânicos Kokoroko estão a despertar “uma grande curiosidade”, liderados por três mulheres nos metais (ao longo da conversa, Carlos Seixas assinala todas as mulheres que vêm atuar ao FMM: “Gosto muito de dar destaque aos mais fracos”).

A Palestina, de onde Carlos Seixas traz músicos sempre que pode, continua no FMM “de pedra e cal”, com Le Trio Joubran (dia 25).

O dia 26 tem Chico César, que “é lindo, lindo, lindo, os concertos dele são maravilhosos” — e, além disso, “é um lutador” — e, ainda do Brasil, o “rap muito forte, de língua afiada”, de Rincon Sapiência.

Omar Souleyman, “o velho sírio”, que já passou por muitos sítios em Portugal, estará em Sines pela primeira (dia 26) e Carlos Seixas andava “há anos e anos” a tentar trazer ao FMM o coletivo de Brooklyn Antibalas.

Dia 27 será marcado pelo “grupo coral seminal” sul-africano Ladysmith Black Mambazo, que atua “há gerações”, e pela Batida (Angola/Portugal), com o espetáculo Ikoqwe, que vai “encher de ironia, contra o racismo”, o Castelo de Sines. Espera ainda um “concertaço” dos Underground System, uma “multinacional” também com uma mulher na liderança.

Os ‘bad boys’ jamaicanos Inner Circle, que eram para ter vindo no ano passado, são esperados nesta edição, dia 26, mas “a não perder” está, para Carlos Seixas, a marrabenta do moçambicano António Marcos, que veio a Sines nos primeiros anos, integrado num grupo, mas que agora se apresenta em nome próprio (dia 27).

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